segunda-feira, 12 de setembro de 2011

E VOCÊ NÃO PERCEBEU



NALDOVELHO

Já faz algum tempo que da janela do meu quarto eu a observo atentamente. Quando vai chegando à noitinha, as luzes do seu apartamento se acendem e por uma fresta da cortina percebo-lhe os movimentos.  Mulher, ainda não chegada aos trinta, morena, com um corpo delicadamente definido, como se por alguém tivesse sido esculpida, certamente um grande artista, alguém com o dom de retratar a beleza de um ser. Já faz algum tempo que isto acontece e você nunca percebeu.

Já faz algum tempo que eu sei o seu nome e confesso: ele vibra dentro do meu apartamento de uma forma tão intensa, às vezes quase gritado, às vezes sussurrado, assim feito um mantra, como se fosse um hino, repetido tantas vezes, uma elegia à minha loucura, uma ode à dor e ao prazer.

Quantos poemas chorados, solitários orgasmos, muitos versos partidos, não consumados, até pintei um seu quadro, só não sei se lhe fui fiel, se lhe fiz justiça, pois minhas mãos sempre trêmulas em momento algum conseguiram dissimular tanta e tamanha ansiedade pelo desejo de lhe ter, ainda que só numa tela nostálgica dependurada na parede do meu quarto, tipo um altar, um santuário de louvação ao pecado, nesse ritual, ungido pelo seu veneno, que hoje inoculado em meu sangue percorre artérias e veias, caminhos os mais estranhos e consome a minha mente através da dor. Pois você vive tão perto, presente, e ao mesmo tempo ausente, que por mais que eu tente não consigo lhe esquecer. E ainda assim você em nenhum momento percebeu.

Outro dia fiz uma canção ao piano que toda a noite eu toco. Quem sabe numa madrugada dessas, as notas invadam o seu quarto e consigam lhe seduzir?  Permitindo que o meu encantamento possa construir um momento de rara magia.

Terça passada, já bem tarde da noite, ao acordar afrontado, fui direto à janela me apoiar num cigarro, me aprumar, me acalmar, conciliar o sono, sei lá! Vi sua janela aberta, descortinada ao intruso.  Perdoe-me, mas não pude evitar! Fiquei vigiando na tocaia, esperando vê-la por inteira, mesmo na penumbra, quem sabe? Mesmo que de relance, não importa!  Queria só lhe ver. Fiquei ali parado até o amanhecer, quando assim, de repente, a cortina como por desencanto foi fechada inclemente e nem a sua sombra eu vi. E mais uma vez você não percebeu.

Já faz algum tempo, li num livro que a força do pensamento seria capaz de concretizar nossos mais ocultos sonhos. Ontem, por desesperado desejo, reuni tudo o que tinha, toda a força e loucura, e me concentrei em você... Adormeci, desmaiei, desfaleci, não sei! Só sei que sonhei um sonho, desses que nunca mais se esquece, e que só fez aumentar o desejo por um instante preciso, precioso e sagrado, de tê-la ao meu lado, de poder estar em você.

Foi como se eu virasse essência, suavemente perfumada a viajar pela noite, a entrar pela sua janela generosamente entreaberta e invadir-lhe o quarto só para lhe ver de perto e me alimentar do seu ser.  Você estava adormecida, aninhada na penumbra do leito e uma tênue luz acesa revelava-a generosa, inteira, nua, travesseiro entre as pernas, apenas num lençol enroscada feito uma sedutora serpente com poucas partes latentes, como uma dádiva ao desejo a mostrar-me à certeza que estariam em seus mais secretos redutos a fonte da minha perdição.

Fiquei assim paralisado, admirado e enamorado por todos os pontos, recantos, por tantos e tão belos segredos, por todas as suas curvas e dobras, lábios, cabelos e pêlos, quanta loucura!  E eu ali parado, trêmulo, quase chegando ao orgasmo, só pela visão do absurdo de poder perceber seus caminhos, pela possibilidade dos seus carinhos e por poder me imaginar tão sedento frente a frente a um oásis, na verdade uma miragem feita só para me enlouquecer. 

Não pude furtar-me ao impulso de delicadamente tocá-la, de deixar minhas mãos abusadas ao sabor da sua carne macia, de envolvê-la na essência que eu por tanta e quanta demência ousara me transformar. Suavemente descobri as poucas partes, pedaços que aquele lençol inconveniente teimava em ocultar, e ao lhe revelar por inteira, deslizei então os meus dedos por todas as trilhas, atalhos, por raras marcas e sardas, por montes, por fontes, clareiras, e ao tocá-la de jeito reinventei o prazer. Para o meu espanto e deleite você em seus sonhos seguia, porém como em transe permitia, participava, concedia, expondo ainda mais o seu corpo, mostrando-me os caminhos e a magia do seu respirar ofegante. Os lábios entreabertos gemiam palavras que eu não conhecia, o suor brotando dos poros por entre os seios escorria, de suas coxas tão quentes, do seu colo ardente, de suas fendas molhadas e ao mesmo tempo sedentas e o seu cheiro cada vez mais presente, tomando conta do ambiente, a me puxar pra você.

Não pude mais me conter!  Toquei-lhe os lábios com os meus, faminto que estava suguei sua língua, e como um bicho sedento, saciei-me em sua saliva, e percorri alucinado com a minha boca o seu corpo, num ritual indecente como se fora um bandido, um ser descontrolado, um animal no cio, sei lá o quê!  Você ainda assim permitia misturar o suor do seu corpo ao suor do meu corpo e lentamente se movia e enlaçando-me numa teia sugava do meu corpo toda e a energia que eu fora capaz de trazer. E a alimentar-se tão louca, prendia-me entre as pernas, trazendo-me para dentro do seu próprio corpo, me imobilizando entre as suas presas para depois deixar se entranhar selvagem por todos os pontos e poros, latejando por inteira, primeiro suave e lentamente, depois ritmada e ardentemente até atingirmos um orgasmo, um doce e inundado espasmo, descontrolado por tanto e tamanho feitiço, infinitamente demorado, até que tudo se fizesse ausente, até que eu acordasse abatido, só que no silêncio do meu quarto, sobrando em minha cama, dolorido e solitário, impregnado com o seu cheiro e cada vez mais seu servo e escravo.

Ainda assim, você nem sabe o meu nome e nem reconhece o meu rosto, não percebe que ao me projetar em seu quarto, deixei ali, gravado um poema de adoração ao seu corpo e de amor a você.

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