domingo, 25 de setembro de 2011

CRÔNICA DO ABSURDO (CRÔNICA)



NALDOVELHO

Madrugada, segunda feira, quase três horas da manhã e o silêncio da noite é repentinamente interrompido por gritos desesperados, em súplica inútil, a pedir clemência num desfecho presumível e tristemente rotineiro nestes nossos dias. Três tiros, mais gritos e desta feita de uma mulher, mais um tiro e o silêncio. Barulho de carros, que a toda velocidade se afastam do local.

Da janela do meu quarto eu nada vejo. Nem uma viva alma na rua, janelas e portas fechadas, nem os cachorros latem. Nenhum curioso em busca de notícias, nenhuma luz se acende, nada! É como se nada tivesse acontecido.

Manhã de segunda, seis horas da manhã, as pessoas começam a fazer o seu trajeto, alguns para o trabalho, outros levando os seus filhos para escola, rotina normal do dia a dia de uma cidade. Na calçada de uma rua transversal, apenas uma poça de sangue a testemunhar o triste evento. As pessoas que passam fingem que nada vêem, nenhum comentário, nenhuma pergunta... É como se um pacto pesado de silêncio tivesse sido estabelecido, nada é mais saudável do que: nada vi, nada escutei, nada falo. Crônica do absurdo, onde a vida humana passou a ser coisa à toa e sem valor, nada que valha a pena arriscar. Só que aqueles gritos permanecem no ar, só que os estampidos também. E a poça de sangue? Certamente um dos vizinhos, ao limpar a calçada da frente da sua casa lavou.

Como apagar dos meus ouvidos os gritos e da minha alma a sensação de desespero deixada no ar? Como acreditar não ter ouvido quatro tiros? Como esquecer ter sentido o cheiro de sangue naquela calçada ao passar? Tem certas coisas que por mais que limpemos e lavemos continuam sempre presentes no ar.

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