NALDOVELHO
Madrugada,
segunda feira, quase três horas da manhã e o silêncio da noite é repentinamente
interrompido por gritos desesperados, em súplica inútil, a pedir clemência num
desfecho presumível e tristemente rotineiro nestes nossos dias. Três tiros,
mais gritos e desta feita de uma mulher, mais um tiro e o silêncio. Barulho de
carros, que a toda velocidade se afastam do local.
Da janela do meu
quarto eu nada vejo. Nem uma viva alma na rua, janelas e portas fechadas, nem
os cachorros latem. Nenhum curioso em busca de notícias, nenhuma luz se acende,
nada! É como se nada tivesse acontecido.
Manhã de segunda,
seis horas da manhã, as pessoas começam a fazer o seu trajeto, alguns para o
trabalho, outros levando os seus filhos para escola, rotina normal do dia a dia
de uma cidade. Na calçada de uma rua transversal, apenas uma poça de sangue a
testemunhar o triste evento. As pessoas que passam fingem que nada vêem, nenhum
comentário, nenhuma pergunta... É como se um pacto pesado de silêncio tivesse
sido estabelecido, nada é mais saudável do que: nada vi, nada escutei, nada
falo. Crônica do absurdo, onde a vida humana passou a ser coisa à toa e sem
valor, nada que valha a pena arriscar. Só que aqueles gritos permanecem no ar,
só que os estampidos também. E a poça de sangue? Certamente um dos vizinhos, ao
limpar a calçada da frente da sua casa lavou.
Como apagar dos
meus ouvidos os gritos e da minha alma a sensação de desespero deixada no ar?
Como acreditar não ter ouvido quatro tiros? Como esquecer ter sentido o cheiro
de sangue naquela calçada ao passar? Tem certas coisas que por mais que limpemos
e lavemos continuam sempre presentes no ar.
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