quinta-feira, 31 de agosto de 2017

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    NALDOVELHO


    Numa caixa de sapatos um monte de retratos,
    a gaveta da mesinha entulhada de recortes,
    uma prateleira na estante entupida de livros,
    pelo quarto espalhados pedaços do meu passado,
    minhas mãos doloridas de cavar uma saída,
    buracos nas paredes, no teto, no chão.

    Janelas e portas emperradas faz tempo,
    e eu continuo prisioneiro da minha história.
    poemas ocultos, encravados lá dentro,
    coágulos nas artérias que regam meu coração,
    nos pulmões ainda restam alguns cigarros
    e nos ouvidos ainda soa aquela canção.

    Primavera, verão, outono e inverno,
    ainda sinto falta de um bom conhaque,
    a glicose continua alta, não consigo controlar,
    a vontade anda fraca, melhor nem tentar,
    cada dia passado é menos um dia,
    qualquer hora dessas vou ter que viajar.

    Pela vidraça eu vejo o dia que passa,
    e são tantos que ultimamente dei pra contar,
    minhas malas estão prontas, já faz um bom tempo,
    levo quase nada que seja só meu,
    mesmo os poemas, não quero levar,
    matriculei-me n'outra escola, vou aprender a pintar.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

CUIDADO

    NALDOVELHO


    Cuidado com a palavra
    que corrói tuas entranhas,
    com versos destrambelhados
    de estranhos significados,
    cuidado com as sombras
    que assombram teus sonhos,
    com o grito preso na garganta,
    com cortes não cicatrizados
    que vez por outra inflamam,
    cuidado com a saudade
    que te invade sem fazer alarde,
    com a solidão das noites escuras,
    com a fome que te leva a loucura.

    Prefira caminhos
    que te permitam amanhecer,
    que tragam a possibilidade
    de dobrar muitas esquinas,
    que te mostrem os mais secretos
    encantos da cidade,
    pois ainda que muitos sejam os tombos,
    e a possibilidade de entardecer
    abraçado aos teus próprios escombros,
    haverá sempre o abraço do amigo,
    o carinho da amante
    e a compreensão do irmão.
    Só assim terá valido a pena viver.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

TODOS OS CAMINHOS

    NALDOVELHO

    Fio, pavio, arrepio...
    a possibilidade do desafio,
    a complexidade da engrenagem,
    a necessidade de se sair em viagem,
    o medo de tropeçar nas próprias pernas,
    a imponderabilidade das coisas eternas,
    a dança perversa das horas,
    a inquietude que às vezes aflora,
    a indisfarçável esperteza do tempo,
    a instabilidade característica dos ventos,
    a calmaria que assola meus dias,
    a vontade de me abraçar na poesia,
    as lágrimas que me suavizam a alma,
    a palavra que provoca e acalma...
    Tudo conspira para uma nova dança,
    o fogo que mantem acesa a esperança,
    a constatação de que todos os caminhos são Seus
    e que a cada passo maior é a minha crença em Deus.