terça-feira, 29 de julho de 2014

AUMENTA O VOLUME QUE ISTO É ROCK

NALDOVELHO

Aumenta o volume que isto é rock!
É música nas veias, é o tempo nas ventas,
é a janela escancarada, é a vidraça quebrada,
são os cacos espalhados pela sala,
é o amor derradeiro que ficou pra traz,
são feridas que sangram e doem demais,
são os espinhos espetados na palma da mão,
são todas as minhas coisas espalhadas pelo chão.

Aumenta o volume que isto é rock!
É saudade doída, é nostalgia ardida,
é a sede e a fome, é a loucura dos homens,
é o incêndio da casa, é a urgência do sonho,
é um monte de coisas que eu teimo e proponho,
é a gargalhada indecente, é o suor, é a semente,
é a lágrima indecisa, é a palavra perdida,
são cicatrizes medalhas, tatuagens queridas.

Aumenta o volume que isto é rock!
É espera, é demência, é necessidade de um grito,
é ardência nos olhos, é a dor de um aflito,
é rasgar as cortinas e profanar o sagrado,
 são palavras escritas no idioma errado,
é um animal enjaulado a escrever poesia,
e na tela da TV a cidade toda em chamas,
incendiei o meu mundo, mas não me esqueci de você. 

segunda-feira, 28 de julho de 2014

A CASA DOS JAMBEIROS


NALDOVELHO

E era aquela a vestimenta mais adequada para aquele momento. Um finíssimo vestido preto, um discreto véu sobre o rosto, um generoso decote numa figura impossível de se ignorar.

E assim ela chegou à igreja para homenagear o Compadre Juvenal. O padre horrorizado desceu do púlpito e indignado a impediu de entrar.

- Isto lá são trajes Dona Carol, com este decote, não pode! Aqui é uma igreja, a casa do senhor, um lugar sagrado.

Dona Carol surpresa, se pôs a dizer:

- Mas seu padre, o Juvenal, adorava, e ele dizia sempre da beleza dos meus decotes, e eu acho que esta seria a melhor maneira de homenageá-lo, pois eu sei que esteja ele onde estiver certamente iria apreciar.

- Sacrilégio mulher! Eu sempre soube que você era irrecuperável, isto não são modos, mas parece uma vadia, aqui assim a senhora não pode entrar.

Desconsolada Dona Carol não sabia o que dizer. Imagine não poder assistir a missa de corpo presente do Juvenal! Ele que sempre fora tão bom, que tanto havia feito por ela.

Rapidamente, uma senhora, uma das filhas de Maria, com um olhar de reprovação, veio com um pesado xale e lhe cobriu o decote, como se fora uma mortalha. E assim a missa pode prosseguir.

Dona Carol nunca mais foi à igreja, sentiu-se humilhada por aquele pároco, até porque muitas e muitas vezes ele se insinuara, e vivia de olho nos seus seios, como se fosse um ser humano normal, igual, um desses que não resistia ao pecado!

Semana passada, por toda a cidade corria a notícia: Dona Carol tinha sido colocada para fora de sua casa pelos filhos do primeiro casamento do Compadre Juvenal e havia voltado a morar na Casa dos Jambeiros. E a cena patética do seu despejo, fora presenciada e incentivada pelo pároco e pelas filhas de Maria que comentavam satisfeitas, que enfim ela havia voltado para onde nunca deveria ter saído, e que lá era o seu lugar.

domingo, 27 de julho de 2014

POBRE MENINA TRISTE

   NALDOVELHO

   E aquela menina dobrou a esquina,
   na esperança de que em outra rua
   ela fosse encontrar uma vida
   que fosse melhor que a sua.

   E assim andou por uns tempos
   a descortinar caminhos,
   fortunas, ternuras, carinhos
   e quem sabe um lugar que fosse só seu.

   Dançou como se fosse bailarina,
   colecionou amores e dores,
   teve que usar muitas armaduras,
   foi atriz e meretriz.

   Vivenciou muitas lágrimas,
   foi rainha em muitos lugares,
   perambulou por madrugadas incertas
   e bêbada de solidão chorou mais uma vez.

   E aquela menina, outro dia,
   dobrou sua última esquina
   e o fez com sua melhor vestimenta,
   voltou para a rua que um dia fora a sua.

   Parou em frente a sua velha casa,
   entrou como se nada tivesse acontecido,
   foi para o seu quarto, pegou suas bonecas
   e de lá nunca mais saiu.

NO FUNDO DAQUELA TAPERA

   NALDOVELHO

   No fundo daquela tapera
   pássaros se refugiam
   do açoite dos nossos dias,
   sonhos adormecem
   e eu me vejo contrito
   desfiando minhas preces.

   No fundo daquela tapera
   fantasmas se aquietam
   e uma cabocla macera ervas
   que curam a nostalgia.

   No fundo daquela tapera
   o silêncio é a magia,
   exílio de um poeta;
   e ali ele se ausenta,
   esquece suas dores
   e encontra a sua paz.

   No fundo daquela tapera
   eu cultivo meus carinhos:
   pencas de rosas amarelas,
   todas elas sem espinhos.  

sexta-feira, 25 de julho de 2014

DEDICADO A ARIANO SUASSUNA

   NALDOVELHO

   A natureza daquele homem
   era a de ser imenso
   e por toda a sua vida
   ele assim caminhou
   em busca da sua imensidão
   e o fez irreverentemente
   com os olhos atentos ao seu entorno
   mas sempre disposto às lonjuras
   pois gostava de abraçar horizontes,
   e a inquietude de sua pena
   era a sua maior vocação.

   A natureza daquele homem
   era a de ser intenso
   e por toda a sua vida
   ele nos iluminou
   com o seu universo de palavras,
   histórias, enredos, texturas,
   uma boa dose de diabruras
   que o nosso povo gosta de aprontar
   e que muito lhe apetecia contar.

   A natureza daquele homem
   era de construir o depois
   e ele o fazia sem constrangimentos,
   e com todas as suas imperfeições,
   e ainda dizia assim bem humorado,
   que as pessoas existiam em dois lados,
   os que concordavam com ele
   e os que viviam equivocados.
   Já não está mais entre nós
   o cavaleiro do sertão,
   finalmente encontrou
   sua imensidão.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O MAIS BELO DE TODOS OS POEMAS

   NALDOVELHO

   Palavras concebidas sem maldades,
   imagens revestidas de verdades,
   caminhos, tessituras, enredos,
   o verbo a descortinar segredos.

   Se teus olhos percebem
   a energia que existe,
   se teus atos são capazes
   de apaziguar corações,
   ainda que não escrevas nada,
   então, serás um poeta, meu irmão!

   Palavras revestidas de verdades,
   imagens concebidas sem maldades,
   ternura, texturas, relevos,
   o amor a superar nossos medos.

   Se tuas mãos são capazes
   de semear o trigo,
   se teus gestos conseguem
   reaproximar inimigos,
   ainda que não esteja escrito,
   então, serás um poema, meu irmão!

   O mais belo de todos os poemas
   precisa antes ser cultivado
   em nossos corações.








quarta-feira, 23 de julho de 2014

PEDRA SENDO LAPIDADA PELA PEDRA

    NALDOVELHO

    Quem olha para minha casa,
    certamente vê,
    tijolos, areia e aréola,
    pedra, ferro, vigas e colunas,
    telhas, portas e janelas,
    design, mão de obra, construção.

    Eu vejo um abrigo,
    um ninho de privacidades,
    enredos, intimidades, segredos,
    espaço sagrado, um templo,
    e tenho a certeza: um lar!

    Quem olha para mim,
    certamente vê
    um homem maduro;
    pele, carne, ossos e órgãos,
    já um tanto ou quanto gastos,
    às vezes meio imaturo,
    em outras, açodado,
    destemperado, inseguro,
    vida sendo devorada pela vida:
    pedra sendo lapidada pela pedra,
    erosão!

    Eu vejo um abrigo,
    e dentro deste abrigo
    alguém que cultiva
    jardins de delicadezas,
    mas acima de tudo,
    um poeta no exercício
    de suas imperfeições
    e ainda que seja para dentro,
    um pássaro que gosta de voar.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

MEU TEMPO

   NALDOVELHO

   Eu vivo dentro do meu tempo
   e nele eu danço, penso,
   respiro, transpiro
   e morro um pouco mais
   a cada momento.

   Eu ando abraçado ao meu tempo
   e nele eu teço cantigas de amor
   num jeito todo especial sonhar.
   Mas ainda assim, meu tempo é ontem,
   e eu não me canso de caminhar por lá.

   Eu gosto de acariciar o passado,
   tolice de um poeta!
   que faz da palavra
   o seu fiel relicário,
   ferramenta de talhar na pedra
   versos de lua cheia,
   coisas que eu preciso semear.



sábado, 19 de julho de 2014

DOR DE UMA SAUDADE

    NALDOVELHO

    Dor de uma saudade
    a sete chaves recolhida,
    ao ser macerada em segredo
    vira coisa ardida,
    lágrima acariciada em silêncio
    que volta e meia ameaça
    e aí você disfarça, e diz:
    vou ali e volto já.

    Dor de uma saudade
    lado esquerdo do peito,
    com o tempo
    vira cicatriz preferida,
    envelhece por dentro,
    e quando aquela música toca,
    você perde o prumo, e diz:
    vou ali fora fumar um cigarro.

    Dor de uma saudade,
    quando a noite invade,
    tira do armário os fantasmas,
    faz o cabra ficar amuado,
    e aí ele bebe o vinho da nostalgia,
    escreve até um poema...
    Se não gosta de poesia,
    desliga o abajur e tenta dormir.

terça-feira, 15 de julho de 2014

NÓ GÓRDIO

   NALDOVELHO

   Um laço, um embaraço,
   um amontoado de nós,
   janelas e portas fechadas,
   e o sol a procura de uma fresta
   para avisar que não concorda
   com a solidão que existe por aqui  
   e tenta desesperadamente
   encontrar uma chave
   para que eu possa me abrir.

   Na mesa da sala,
   uma dúzia de rosas,
   uma garrafa de café,
   um maço de cigarros
   e o ambiente em penumbra,
   fumaça, nostalgia, saudade...
   Na vitrola, Djavan afirma
   estar faltando um pedaço,
   e eu digo que sim!

   Fica combinado assim!
   Você devolve o que me falta,
   eu paro de escrever poemas,
   vou dar umas voltas pelas ruas,
   me perco nesta cidade,
   tento achar um remédio
   que ponha fim a loucura,
   pois existe um oco no meu peito,
   um nó que precisa ser desfeito,
   para que eu possa prosseguir.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

AINDA (R)

    NALDOVELHO

    Ainda que você não saiba,
    parte dos meus sonhos
    sobrevive em meus guardados,
    parte dos meus desejos
    lateja impunemente
    e o meu coração
    ainda bate afrontado,
    por conta dos entulhos
    que volta meia
    atormentam em minhas veias.

    Ainda que você não saiba,
    parte do meu corpo
    ainda sente a sua falta
    e mesmo que eu diga ao contrário,
    muitas coisas permanecem,
    terceira gaveta,
    lado esquerdo do armário.

    Ainda que você não saiba,
    continuo sendo um romântico,
    um tolo, um poeta,
    desses que se abraça
    a dor da saudade
    e nega a possibilidade de um remédio,
    pois sem a nostalgia que me arde
    acabariam os poemas
    e eu não conseguiria viver.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

CLARA DA LUA CHEIA

  
     NALDOVELHO

     Ela cheirava a jasmim,
     pele branca pontilhada de sardas,
     olhos claros e assanhados,
     voz rouca e penetrante,
     desavergonhadamente sensual.

     E assim, ela se sentou abusada,
     pediu um Martine Bianco,
     abriu sua bolsa e tirou de lá
     um maço de cigarros.
     Quis saber se me incomodava,
     justificou-se, afirmando ser aquela
     uma de suas bengalas.
     Perguntei se existiam muitas outras,
     ela sorriu e disse: muitas mais!

     Clara da Lua Cheia,
     de uma noite friorenta de julho,
     e eu ali, naquele bar a apreciar os detalhes:
     mais ou menos um metro e sessenta,
     corpo bem delineado
     numa roupa fina e provocante,
     cabelos ruivos e ondulados,
     e um jeito de se mover
     que enlouquecia qualquer cristão.

     Clara da Lua Cheia,
     que mora ali adiante,
     penúltima casa a direita,
     segundo quarteirão,
     no sentido de quem desce;
     aquela assobradada!
     Já fui lá uma vez!
     Pelo visto, vou voltar outras mais,
     muitas mais!



PODEROSO AFRODISÍACO

   NALDOVELHO

   Para poderoso afrodisíaco,
   chá de gengibre e canela
   temperado com poeira de estrela
   colhida em noite de luz cheia.
   Junte também ao preparo,
   preciosas gotas de orvalho
   e se for caso, mas o faça em segredo,
   saliva peçonha a gosto
   extraída dos grandes lábios.
   Mas cuidado para não ficar abestado
   e passar o resto da vida escrevendo poemas,
   conheço gente que experimentou da receita
   e nunca mais se libertou. 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

UM BRINDE ÀS MINHAS FRAGILIDADES

   NALDOVELHO

   Eu brindo à lágrima e às minhas fragilidades,
   à coragem de assumir possibilidades,
   à necessidade de levar muitos tombos
   e à vontade de me reerguer em meio aos escombros.

   Eu brindo à imprevisibilidade da paixão,
   a inevitável dor da perda e à solidão,
   a manter janelas e portas sempre abertas,
   eu brindo à necessidade das descobertas.

   Eu brindo à busca incessante pela ternura,
   à inquietude que alimenta a loucura,
   aos mistérios, questionamentos, revelações,
   eu brindo ao pecado e à redenção.

   Eu brindo à magia da palavra poesia,
   ao caminho que eu construo dia a dia,
   ao homem que cresce através dos seus ais,
   à bênção de ter forças para querer sempre mais.


domingo, 6 de julho de 2014

EDUCAÇÃO E CULTURA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


As pessoas, no espaço de tempo de suas existências, conseguem sobreviver sem educação e cultura; uma nação não!

MEUS POEMAS - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


Meus poemas são escritos com a finalidade de levar as pessoas à reflexão. O mundo contemporâneo, cada vez mais, vive anestesiado em suas percepções e sensibilidades, a urgência que os homens têm em viver suas vidas e conquistar seus espaços transformou-os em neoselvagens que desrespeitam o seu próximo e o mundo a sua volta. Falta-lhes poesia, falta-lhes a coragem de assumir a possibilidade da lágrima e a realidade de suas fragilidades, usando-as como ferramentas para a sua humanização e crescimento. Os verdadeiros poetas estão morrendo, e no futuro, o que lhes restará será um débil esforço de alguns em construir versos já escritos e sem nenhuma arte, pois aqueles que poderiam fazê-lo com qualidade e significância por aqui já não mais estarão.

terça-feira, 1 de julho de 2014

NOSSA MALDIÇÃO

    NALDOVELHO

    Falar de travessias,   
    de abrir muitas outras portas,
    de escalar aquele rochedo,
    de descobrir o outro lado,
    de imaginar um oco no mundo
    e revelar seus segredos,
    de tentar perceber um rio
    que corre sem medos
    e molha as coisas
    que existem por dentro,
    revelar sem constrangimentos
    a poesia que existe nas horas,
    a palavra sutilmente sussurrada,
    o mistério do ciclo das águas,
    a possibilidade de renovação.
    Dizer da importância
    de desfazer teias e embaraços,
    de desatar em nós os nós,
    de dissolver os nódulos,
    o sangue coagulado,
    de retirar dos nossos templos
    todo o entulho acumulado,
    falar de libertação!
    Esta é a nossa missão,
    nosso ofício sagrado,
    mas é também 
    a nossa maldição!