segunda-feira, 19 de setembro de 2011

EMBAÇADAS AS FOLHAS (ARQUIVO)


      NALDOVELHO

      Tem janelas, tem portas, trincos, tramelas,
      tem sala, tem quarto, cozinha e banheiro,
      mobília discreta, ambiente sombrio,
      parece uma casa, só não sei se é um lar.

      Em cima da mesa, na sala de estar,
      tem um vaso com flores que não se permitem à essência.
      Tem também outras plantas, violetas e avencas,
      desmaiadas, sem viço, embaçadas as folhas.

      Num canto imprensado, um telefone que chama...
      É engano, é engano!

      Tem estante, tem livros, todos eles fechados.
      No quarto uma cama que vive desfeita,
      travesseiros amassados, lençóis amarelados,
      a umidade ambiente é bem maior do que se pensa.

      Muita poeira e mofo, cortinas fechadas,
      impedem que o ar possa se renovar.

      Nessa casa mora um homem que se entregou ao abandono,
      que não pensa, não tenta e detesta poemas.
      Dorme muito e quando acorda pede para ir embora.
      Já passou dos setenta, não quis ter filhos,
      não escreveu o seu livro, não plantou uma árvore,
      e eu nem sei o seu nome, e nem como agüenta
      viver desta escolha, com medo que doa,
      com medo de chorar.

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