terça-feira, 24 de janeiro de 2017

HÁ QUEM DIGA

    NALDOVELHO

    Há quem diga
    que depois daquela porta
    o tempo não importa,
    e que a eternidade é só um caminho,
    onde todos são peregrinos
    em busca de um sonho, um oásis,
    materializar uma miragem,
    encontrar uma razão de se viver.

    Aqui do meu lado da porta
    o tempo não para,
    a glicose anda alta,
    coração bate afrontado,
    respiração ofegante,
    e a necessidade de acreditar
    que do lado de lá, um dia,
    eu vou me encontrar.

    Enquanto isto
    eu escrevo poemas,
    a bem da verdade,
    um jeito de me construir por dentro,
    uma forma de negociar com o tempo,
    pois a vontade de viver um pouco mais
    mantém acesa a chama,
    e esta vela ainda tem o que queimar.

    Há quem diga
    que Deus a tudo assiste
    e misericordioso permite...
    Eu que não sou bobo nem nada,
    tomo uma porrada de remédios,
    faço orações, acendo vela pros santos,
    pois há quem diga
    que esta é uma história sem fim!

    Custa nada acreditar!


domingo, 22 de janeiro de 2017

POEMA ROMÂNTICO

    NALDOVELHO

    Quando duas almas convergem
    para um mesmo destino.
    não importam os descaminhos,
    os desvios, os atalhos,
    as teias, os labirintos,
    as mortes, os conflitos,
    não importam os livros escritos;
    palavras serão esquecidas,
    poetas serão devorados,
    pois na boca do mundo
    todos os sentidos conspiram,
    toda a verdade é exposta,
    e nossos corpos servidos em postas,
    para saciar a fome dos tempos,
    e só sobrarão os ossos,
    que serão cremados, 
    reduzidos a cinzas,
    mas ainda assim estaremos juntos,
    entrelaçados e felizes
    no dia do juízo final. 

    Quando duas almas convergem
    Deus é cúmplice,
    nada pode impedir.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

NADA MAIS LEVAREI

    NALDOVELHO

    Nada mais levarei
    além da vida que me consome,
    nem mesmo o poema que tem o seu nome,
    eu levarei.
    Não levarei o esquecimento das pessoas,
    as lágrimas que às vezes escoam,
    os espinhos dos amores que eu inventei,
    mesmo os versos que eu lhes dediquei,
    não levarei.

    Nada mais levarei
    além da magia dos sonhos que eu sonhei,
    mesmo os pesadelos em que eu me enredei,
    não levarei.
    Não levarei a inquietude, as perdas, o quanto eu errei,
    a nostalgia que habita minhas madrugadas,
    os descaminhos de minha jornada,
    nem mesmo as saudades que por tolice eu chorei,
    eu levarei.

    Nada mais levarei
    além da esperança que permeia o meu entardecer,
    nem mesmo a solidão que costuma me corroer,
    eu levarei...
    Mesmo a inevitável dor da minha morte,
    não levarei.

domingo, 8 de janeiro de 2017

ÁGUA DE RIO

    NALDOVELHO

    Tem vez que o rio
    desemboca no mar,
    tem vez que desemboca
    num outro rio;
    já vi até rio alimentar lagoa...
    Cada um com sua sina,
    cada qual com sua serventia.

    Eu que já fui água de nascente,
    ainda não sei bem onde vou dar.
    Só sei que desde então,
    já fui água de navegar,
    corredeira de espalhar semente,
    e espelhei luz de luar. 
    Hoje sou filete entre pedras
    em busca de um lugar para desaguar.

     



sábado, 7 de janeiro de 2017

LÁGRIMAS DE POETA


NALDOVELHO

Olhem as lágrimas que hoje escorrem, são novas feridas, posto que as antigas, restam cicatrizadas e ainda que vez por outra incomodem, é só quando muda o tempo. Acho que é assim com todo mundo, nada que deva nos assustar.

Mas ainda assim, eu sei que há quem faça muitas orações ao Pai, pedindo janelas e portas abertas, saúde, amores, fartura, proteção contra o tédio, cura paras dores da alma, para solidão e a loucura; e pedem tantas coisas, e praguejam a cada passo, a cada embaraço, ao amanhecer, ao entardecer e até na hora da Ave Maria, ao anoitecer. Mas esquecem de olhar em volta, são tantos os presentes; não percebem o dia, o nascer do sol, a magia, a poesia de viver, a suavidade da saudade e da nostalgia, que apesar da ardência que nos traz certo desconforto, fortalece e nos faz crescer.

Eu aqui no meu canto, quase não oro, fico constrangido em incomodar o Pai com minhas bobagens, com as tranqueiras que eu mesmo acumulei vida afora, com a minhas hemorragias, feridas que inflamadas incomodam... Já disse, acho que deve ser assim com todo mundo, então: melhor eu mesmo por mãos à obra, pois o Pai deve ter coisa mais importante a fazer.

Pois é, para tanto eu me utilizo da palavra poema e desconfio seriamente que esta tenha sido a melhor ferramenta que o Ele pode me fornecer, e a impressão que eu tenho é que com assim Ele esta a me dizer: vire-se, você é o comandante do barco, trabalhe, construa, abra portas e janelas, fortaleça-se para poder superar o tédio, a solidão e a loucura, cure-se você mesmo das dores da alma, aprenda a se utilizar das asas de voar por dentro, construa um novo homem, nem que para isto você tenha que nascer mil vezes, trilhar infinitos caminhos, se perder e se achar, morrer e novamente nascer, só que diferente... E esta é tua sina, o teu rito sagrado, não se esqueça, um dia, em algum lugar distante Ele pode precisar de você.

Quanto às lágrimas que hoje escorrem, deixe-as chegar ao chão, fertilize-o; lágrima de poeta é semente que um dia brotará poema, que alguém há de querer.