segunda-feira, 31 de outubro de 2011

SEGREDOS (LUZ E SOMBRAS)


   NALDOVELHO

   Observo as pedras
   como quem procura falhas
   que possam acolher fraquezas,
   pois até as pedras escondem
   dramas que não conseguem resolver.

   Observo o tempo
   como quem procura brechas
   que possam servir de abrigo,
   pois até o tempo esconde
   histórias que não consegue esquecer.

   Observo a vida
   como quem procura chaves
   que possam abrir passagens,
   pois até a vida esconde
   verdades que não consegue compreender.

   Observo nas pessoas,
   imagens quase sempre distorcidas,
   feridas que sangram em carne viva,
   pois o que os homens mais escondem,
   são pecados que não conseguem absolver. 

UM BELO POEMA ÀS VEZES MACHUCA (ARQUIVO)

   NALDOVELHO

   Muitas verdades, tantas perguntas,
   minhas procuras, minhas angustias.
   Belos poemas não são teoremas.

   Não deixe que a chama se apague em meus olhos,
   não deixe que a cinza tome conta da casa,
   não deixe que a esfinge devore a mulher.

   Mantenho sempre a porta entreaberta,
   não te abandono apesar da saudade,
   quando arder te imagino almofada,
   te aperto, te beijo, te coloco entre as pernas,
   num verso, um orgasmo, o lençol todo molhado,
   continuo excitado e não sei o que dizer!

   Acendo um cigarro, e o que eu trago é amargo.
   Só mesmo um bom tango define o que é ter
   alguém do meu lado e ao mesmo tempo não ter.

   De minha janela percebo a cidade,
   já são quatro e meia, daqui a pouco amanhece.
   Um belo poema às vezes machuca.
   
   A tua ausência me deixa maluco,
   se eu grito, estás longe e eu sei não me escutas.

   Já são cinco horas, o sol se prepara,
   o dia se assanha, a noite vai embora...
  
   Quanta bobagem!
   Foi só mais uma noite 
   e o jeito é começar tudo outra vez.

domingo, 30 de outubro de 2011

QUERO PINTAR NUM QUADRO (LUZ E SOMBRAS)

   NALDOVELHO

   Quero pintar num quadro
   uma manhã cinzenta, nublada
   e, um tanto ou quanto, sonolenta,
   com chuva miúda a molhar a cidade,
   e a trazer a saudade para junto de mim.

   Quero pintar um quadro com vidraça embaçada,
   outono de folhas caídas das árvores
   e o vento a levar meus queixumes pra longe.
   Quem sabe o meu pranto chegue até você?
   Quero deixar registrado com cores escassas,
   que a vida que passa carece de graça,
   depois que distância tomou conta de mim.

   Quero pintar um quadro que mostre ao mundo,
   janelas fechadas por trincos, tramelas,
   e não adianta, a campainha que toca,
   é só o carteiro que não traz suas cartas,
   e o telefone que avisa: - desculpe é engano!
   e nada acontece que me traga você.

   Quero pintar um quadro que mostre um poema
   com versos que chorem, pois chove aqui dentro,
   mas não me molho por fora,
   cristalizado o pranto de tanto doer.

PORRA CHICO! (ARQUIVO)

   NALDOVELHO

   Os lençóis, a cama,
   a cortina entreaberta,
   o travesseiro no chão,
   a luz do abajur,
   sombras, contornos...

   Música ambiente...
   Não aumente o volume,
   melhor deixar como está.
   
   Nossas roupas emboladas,
   largadas num canto,
   nossas pernas embaraçadas,
   como quê, por encanto.

   Onde estão os teus olhos?
   Estes são os teus lábios!

   Uma brisa suave,
   madrugada que arde,
   luz do sol que renasce
   aqui dentro do quarto,
   incendeia meu corpo
   e me queima as entranhas.

   Preciso fumar um cigarro,
   refletir sobre o estrago.
   Preciso também de um conhaque,
   acordar por inteiro!
   
   Já faz um bom tempo
   que estamos aqui,
   você me partindo ao meio
   e eu querendo fugir.

   Lembrei de repente
   de uma música tão triste:
   “uma saidera, muita vontade,
   e uma leve impressão de que já vou tarde”.

   Porra Chico!
   Como você conseguiu encontrar a porta
   e sair daquele lugar?

sábado, 29 de outubro de 2011

PÁLIDO REFLEXO (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   As palavras que eu tento,
   que eu teimo e proponho,
   em versos expostos,
   poemas que eu tramo,
   são notas dissonantes
   que eu teço assustado,
   harmonias que o verbo
   deixou de presente
   e que volta e meia me invadem
   ardentes, tão quentes,
   a falar do amor
   que eu sinto por você.

   As palavras que eu tenho
   são como imagens,
   de matizes diversas,
   estranhas, perversas,
   a mostrar-me as entranhas,
   inquietas, confusas
   e a materializar os meus sonhos,
   revelando segredos,
   coisas que trago guardadas,
   preciosas em mim.

   As palavras que eu temo,
   que eu calo, que eu nego,
   revelam fraquezas,
   ainda as trago comigo...
   Revelam que o homem
   ainda busca um abrigo,
   revelam que o amor
   que hoje eu consigo
   é um pálido reflexo
   do que tinha de ser.

PALAVRAS AUSENTES (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Palavras ausentes, frases reticentes,
   versos que se calam assim de repente.
   Parece que o tempo conspira
   para tirar do poeta o poder de dizer
   o que ele trama e sente.
   Até as imagens que ferviam,
   teimam em se mostrar displicentes
   e a magia de outrora
   já não se faz mais presente,
   pois o sentimento de quem chora
   hoje é tido, apenas, como inconveniente,
   algo que deve ficar latente...
   Triste é saber que o trigo
   nunca passou de semente,
   triste é saber que o abrigo
   já não acolhe o demente,
   que a cantiga morreu esmagada
   e que o meu umbigo
   continua doente.

OUTONO EM MIM (LUZ E SOMBRAS)


   NALDOVELHO

   Vidraça embaçada, janelas fechadas,
   faz frio lá fora, águas de junho
   me inundam por dentro.

   O rádio ligado a mostrar que o tempo
   está árido e cinzento lá no firmamento.

   Cidade tão fria, ruas vazias,
   poemas urgentes atropelam meu dia.

   As letras destoam, palavras enjoam,
   se irritam à toa e embora me doam,
   são os meus sentimentos.

   São versos paridos espremidos, aflitos,
   são constrangimentos, guardados faz tempo.

   A noite que chega, já não chove aqui dentro,
   e uma lua vermelha se desespera e chora.

   As janelas da casa já não estão mais fechadas,
   o vento que sopra finaliza o outono,
   outono de cânticos, de sonhos, de versos,
   outono em mim.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

OS ANJOS QUE MORAM EM VOSSOS CORAÇÕES (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Há de existir um tempo
   onde possamos enaltecer sentimentos,
   entrelaçar enredos, cultivar carinhos
   e colher a delicadeza de um romance
   sem que venham juntos os espinhos.

   Há de existir um tempo
   de sorriso nos olhos,
   de ventos plenos de esperança,
   de corações e mentes apaziguados,
   de palavras a serem ofertadas:
   sinceridade, amizade, compreensão.

   Há de existir um tempo
   onde redimidos de nossos pecados,
   possamos eliminar as armaduras,
   vencer nossos medos, loucuras,
   e ainda que versos não haja,
   a poesia será a tempero da razão.

   Há de existir um tempo
   de olhos que saibam perceber a magia,
   de ouvidos que escutem em detalhes
   o som de um amanhecer feito em festa,
   com passarada em animada conversa,
   e os olhos do poeta marejados de emoção.

   Há de existir um tempo,
   e ainda que eu não mereça colhê-lo,
   é meu ofício mostrar que ele vos chama agora,
   e que o onde e o quando não demoram,
   é só dar voz aos anjos que moram em vossos corações.

NÃO DÁ PARA ESQUECER (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Já cansei de não dormir em tua homenagem,
   de chorar baixinho e dizer bobagens,
   de sentir saudade do teu corpo nu.

   Já nem sei se fui amado tendo amado errado,
   ou se foi veneno que tomei trocado... 
   Quanta cachaça só pra te esquecer!

   Já andei por outros leitos em busca de miragens
   para depois acordar de ressaca
   e perceber que ainda não amanheceu.

   Já rasguei o teu retrato e todas as tuas cartas,
   devolvi teus presentes, teus discos e livros,
   e ainda assim não me libertei.

OBSCENIDADES (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Obscenas são as lágrimas
   que se contêm reprimidas
   num compartimento, espremidas,
   e que se recusam ao pranto
   por constrangimento ou vergonha
   e que a cada instante se entranham,
   cristalizados os desencantos
   que a vida não conseguiu dissolver.

   Obsceno é o sentimento abortado
   pelo medo de novas feridas,
   posto que as que ainda persistem
   sangram não cicatrizadas
   e na mudança de tempo
   costumam doer,
   é manter janelas fechadas
   a impedir que a madrugada possa
   renovar no peito a crença
   num novo amanhecer.

   Obsceno e recusar-se ao poema
   para não se expor o dilema
   que a vida ao criar obstáculos
   ofertados em forma de escolhas
   trouxe para o nosso viver,
   é não perceber que nenhuma escolha,
   não passa também de uma escolha,
   a de não se permitir o porvir.

   Obsceno e negar o amor que ainda existe
   e transformá-lo em mágoa latente,
   triturada assim entre os dentes,
   até que brote dela o veneno
   que certamente irá nos destruir.
    
   Obscenas são as chaves
   que não abrem portas,
   e ainda dizer, pouco importa!
   pois não se tem para onde ir.

MOTIVOS (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Parte dos motivos
   vive enraizado
   em meu passado.
   Parte do passado
   são cortes não cicatrizados.

   Dizem que o homem
   foi feito para ser cigano.
   Dizem que o cigano
   está condenado a ser errante.
   Dizem que dos amantes
   só restou o veneno.

   Dizem que a mulher
   foi feita por um feitiço,
   certamente, em noite de lua cheia
   e quem fez foi o Criador,
   que cansado da calmaria
   semeou entre os homens a dor.

   Dor de saudade,
   de desencontro,
   de ferida aberta,
   dor de naufrágio...

   Quantos tombos levei
   enquanto aprendia a caminhar.
   Quantos tombos ainda levarei?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

MEU JEITO DE SER (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Vivo de catar meus cacos
   e pacientemente os remendo,
   nem sempre bem remendados,
   às vezes mal encaixados,
   em outras faltam pedaços,
   mas ainda assim dá para viver.

   Quando eu me faço eremita,
   busco a energia na fonte,
   tento curar as feridas,
   desencravar do espírito os espinhos,
   pois por mais doloroso que seja,
   eu preciso continuar a crescer.

   Por isto resisto ao ocaso,
   fazendo com que a minha face enrugada
   possa te parecer sorridente
   a denunciar o ser que existe
   e que muito vai demorar a morrer.

   Quando vou ao passado
   rever minhas histórias, guardados,
   é para dissolver mágoas,
   destilar lamentos,
   alquimizar minha dor.

   E aí surgem os poemas,
   versos que na realidade transpiram,
   palavras, emoções, sentimentos,
   de onde tiro o antídoto
   contra o desespero e o desencantamento.

   E assim vou vivendo,
   mantendo viva a esperança
   e preservando nos olhos o brilho,
   pois penso que a vida é um privilégio
   que só o caminho nos fará merecer.

QUARTO MAL ASSOMBRADO (LUZ E SOMBRAS)


   NALDOVELHO

   Há um quarto mal assombrado
   dentro da casa em que habito
   e toda a vez que entro nele
   vejo sombras em conflito,
   percebo sonhos abortados,
   pensamentos mal comportados,
   lembranças fragmentadas,
   e um monte de coisas entulhadas
   dentro dos armários.

   Há um quarto mal assombrado
   dentro da casa em que habito
   e o estranho é que ninguém percebe
   que por lá moram fantasmas
   pois toda a vez que penso neles
   escuto o grito de um aflito.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

NOVAMENTE CRUCIFICADO (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   O cheiro de asfalto, o sinal, o assalto,
   a buzina dos carros e a urgência alucinam,
   até hoje padeces em loucas chacinas.

   O cheiro de cola, o menino, a esmola,
   caco de vidro espetado, sangue no chão,
   a cusparada no rosto, a bofetada, o desgosto,
   dilaceram os espinhos cravados pelo corpo.

   O gosto amargo, o olhar injetado,
   na subida do morro, o fuzil, o desgosto,
   engatilhadas as armas, a sirene, o sufoco.
   Ela ainda é uma menina, que triste sina!

   Até hoje padeces da dor que acontece
   na bala perdida, lá se foi uma vida.
   Na demência que implora uma prece em vão,
   pois as portas dos templos permanecem fechadas.

   A fome acontece, encruzilhadas que ensinam
   que a mão do mais forte explora e elimina
   a quem possa interessar salvar a menina.

   Prostituiu-se tão cedo e virou avião.
   E o menino, um soldado de punhos fechados,
   de arma na cinta, vai fazer um estrago...

   O traficante sorri da inocência perdida,
   faz pouco dos desfiles, passeatas, cartazes,
   já é um pouco tarde pra dizer eu não quero,
   o acerto de conta não tarda a chegar.

   Até hoje padeces por curar meus pecados!
   Cidade nublada, cidade do medo,
   o cheiro de asfalto, o sangue, o segredo,
   não faz muito tempo procissão do Senhor Morto
   passou por aqui e me trouxe conforto?

   Não faz muito tempo, no centro da praça,
   alguém riu da desgraça, do ultimato, da ameaça.
   E o Teu corpo tombado, humilhado, ferido.

   Quanta miséria e o meu povo nem olha,
   mas assiste ao filme, Paixão de Cristo, o Calvário,
   a mensagem ao contrário!
   Depois, quem sabe um calmante?
   Muda de canal, assiste o noticiário...
   E vai dormir!

EU GOSTAVA DE PENSAR E AINDA GOSTO (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Eu gostava de pensar e ainda gosto,
   na lagarta em sua mudança de ciclo,
   de rastejante por folhas em meu jardim,
   à leveza de um vôo a seduzir o jasmim.

   Eu gostava de pensar e ainda gosto,
   no brilho dos seus olhos ao sorrir satisfeita,
   por perceber que na vida
   tudo com o tempo se ajeita
   e que até a dor de amor mais doída 
   um dia chega ao seu fim.

   Eu gostava de pensar e ainda gosto,
   nas manhãs nostálgicas de outono,
   nas folhas caídas no chão do abandono
   e de ainda assim perceber
   que a vida florescia em mim.

   Eu gostava de pensar, e ainda gosto,
   no aconchego do seu colo,
   manhãs preguiçosas de inverno,
   nossos fios completamente embaraçados,
   suas pernas às minhas entrelaçadas,
   pois o nosso amor é feito assim.

   Eu gostava de pensar, e ainda gosto,
   no significado da palavra tempo,
   na conjuração de palavras em papel sentimento,
   no renascer um pouco mais a cada dia
   para poder viver uma história sem fim.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

NÃO HÁ NADA DE NOVO NAS HORAS (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   As folhas destoam, pálidas, sem vida,
   palavras caladas permanecem reprimidas,
   não há nada de novo nas horas
   que sem consolo já não agüentam
   os dias que se arrastam sonolentos.
   Vida, à-toa, repleta de constrangimentos!

   O sangue, que corre em meu corpo,
   tropeça viscoso por artérias e veias,
   o ar penetra em meus pulmões, saturado de fumaça,
   e o cigarro, que eu trago: cada vez mais amargo.

   Não há nada de novo nos horas,
   nada que se diga me consola
   e as manchetes dos jornais
   repetem as notícias de sempre:
   uma baleia encalhada na praia agoniza e morre;
   o trânsito engarrafado, desespera, dilacera;
   um navio a deriva que não encontrou o seu cais,
   vaga sem timoneiro, partiu faz tempo,
   não voltou nunca mais;
   na estação um trem que não parte,
   dormentes sem trilhos, sem trilhas, caminhos.

   Todos os dias à mesma hora,
   a noite chega e implora,
   quer lua cheia de volta,
   quer esquinas repletas de gente,
   quer crianças brincando nas ruas,
   mas as ruas continuam incertas,
   povoadas de sombras a aterrorizar nossa gente.

   Em suas casas, meu povo se esconde,
   adormece e não descansa,
   vive esperando notícias,
   malfadadas dores urgentes. 
   A sirene de um carro avisa:
   mais um que ousou e partiu;
   ousou andar pelas ruas,
   ousou não resistir ao assalto,
   se preocupar com seus filhos...
   O gatilho apressado viu reação e puniu!

   As pessoas silenciam e choram,
   por desespero levantam bandeiras,
   alertam que de oportunistas, já estão cheias,
   que a classe política é um engodo,
   omissos, coniventes e certamente cúmplices
   dos crimes perpetrados. 
   Quanto tempo, mais, poderemos resistir?
   Quantos dos nossos filhos,
   prematuramente, vão ter que partir?

   Não há nada de novo nas horas,
   nada que se diga me consola.
   O meu Santo Padroeiro está refém, é prisioneiro!
   Libertem o meu São Sebastião,
   aquele do Rio de Janeiro!

   Ao fundo a imagem do Cristo a tudo assiste e diz:
   perdoa-os Pai, eles não sabem o que fazem!