sexta-feira, 23 de junho de 2017

É DA MINHA ESSÊNCIA

    NALDOVELHO

    É da minha essência
    a luz que alumia meus passos,
    a lua que suaviza o meu espírito,
    o orvalho que cicatriza feridas,
    as madrugadas que habitam meus sonhos...
    Daqui a pouco o sol acontece,
    manhãs preguiçosas de inverno
    e eu envolto em cobertas
    sinto o cheiro do café encorpado bem forte,
    lá fora a passarinhada faz uma prece,
    linguagem de anjo em versos,
    sinfonia igual eu nunca ouvi.

    É da minha essência
    a nostalgia que assombra meus dias:
    vontade de dizer o quanto eu te amo,
    saudades que eu guardo do teu cheiro,
    do frescor do teu corpo inteiro,
    do tempo dos cigarros compartilhados
    em que eu era feliz e não sabia
    e ainda que hoje eu viva de recomeços,
    estará sempre faltando um pedaço
    que por pura maldade você levou. 
    Coisa mais sem graça a casa vazia
    e não saber onde você está.

    É da minha essência
    a solidão que me devora,
    a esperança de quem olha pro céu e ora;
    se não acreditar coração não aguenta
    e embora eu saiba que dia desses ele arrebenta,
    o poema é sempre uma bênção,
    magia que eu pratico faz tempo,
    colheitas de quem sondou firmamentos,
    sobreviveu aos seus muitos tombos,
    aprendeu linguagem dos anjos,
    pois apesar da tamanha inquietude
    é da minha essência acreditar em Deus.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

CÍRCULO VICIOSO

    NALDOVELHO

    Caminho em círculos
    daqui pra lá, de lá pra cá,
    faz tempo assim, sem parar.
    Às vezes sinto minha alma em outro lugar,
    às vezes meus olhos me iludem
    e eu penso Te enxergar;
    mas Te enxergar eu não consigo...
    Ilusão, assombração, miragem
    e eu aqui a escrever um monte de bobagens
    na pretensão de forjar com palavras
    chaves que me permitam o acesso,
    versos que arrombem portas,
    que me levem bem distante...
    Mas o distante eu não consigo,
    e uma vez mais eu me vejo
    voltando para o mesmo lugar.
    Heresia diriam alguns!
    Sacrilégio diriam outros!
    Mas eu continuo na ilusão
    de um dia poder Te enxergar.

    Passado, presente e o futuro
    se atritam dentro de mim,
    é o tempo a devorar minhas entranhas.
    Minha mente presa num armário
    e o meu coração de um tempo pra cá
    deu pra bater ao contrário,
    tanto que qualquer dia desses
    eu vou acabar tendo que renascer.
    Mas minhas pernas ainda caminham daqui pra lá,
    e mais que depressa, de lá pra cá,
    faz tempo assim, sem parar.
    E eu a me contorcer nervoso
    tento me esgueirar por uma fresta de janela,
    quero ver o dia raiar!
    Mas a poesia em mim padece aprisionada
    a uma solidão cada vez mais perversa.
    Vou até a cozinha, tomo um café
    e ainda sinto vontade de fumar um cigarro.
    Logo-logo amanhece em meu quarto
    e eu me aquieto no mesmo lugar
    na esperança de um dia poder Te enxergar.

domingo, 11 de junho de 2017

POEMA DE AMOR

    NALDOVELHO

    Quando eu chego dentro de mim
    encontro um mundo de magia
    e será sempre amanhecer de um novo dia,
    certa neblina tomando conta das colinas,
    um friozinho gostoso, relva molhada de orvalho,
    e na janela de uma casinha avarandada
    o amor que eu não vivi me acena e diz:
    seja bem vindo meu poeta!

    Quando eu chego lá nas funduras
    escuto harmonias pontilhadas de sonhos
    e o meu amor a desfiar uma toada
    colhida em noites de espera,
    madrugadas distantes de mim mesmo,
    e ela fala da paixão que entre nós acontece,
    e eu me vejo colhendo luzes pelo caminho
    e me entrego a Deus na contrição de uma prece.

    Quando eu me aquieto dentro de mim,
    me sinto encharcado de ternura,
    esqueço a solidão e a clausura,
    a insônia das noites escuras,
    e me vejo semeando esperanças
    no sorriso puro de uma criança,
    macero palavras numa folha de papel em branco
    e escrevo um poema de amor.







quarta-feira, 7 de junho de 2017

UMA VALSA

    NALDOVELHO

    Deixe os seus dedos
    sobre as teclas do piano.
    Toque-me uma valsa,
    uma que me traga arrepio,
    que me faça caminhar pela vida
    sem ter medo de escorregar no meio fio.

    Toque-me uma valsa,
     uma que me faça esquecer
     dos anos passados sozinho
     nas trilhas dos meus descaminhos,
     uma que me desencrave a lágrima,
     que faz tempo se recusa a chorar.

     Toque-me uma valsa,
     ponta de dedos acariciando o ar,
     janelas abertas, o mês é de outono,
     e você me convida para mais uma dança,
     tomara que esta música
     nunca mais pare de tocar.

  

sábado, 3 de junho de 2017

LUA INQUIETA

    NALDOVELHO


    Eu sei de uma lua inquieta,
    pele irrigada de sardas,
    luz encantada de minhas madrugadas,
    que quando vem a minha janela,
    já nem sei de mim,
    ou se vou sobreviver.

    Eu sei de uma lua repleta
    de tramas, segredos, mistérios,
    que transpassa paredes que me cercam,
    que enrolada em minhas cobertas,
    sussurra indecências
    e finge construir permanências.

    Eu sei de uma lua madrugadeira
    que gosta de se infiltrar nos poemas
    e diz que só assim valerá à pena
    semear palavras molhadas,
    sêmen, suor, saliva, paixão,
    sementeiras de cultivar ilusão.

    Eu sei de uma lua feiticeira
    pois quando a noite vai embora
    ela simplesmente amanhece,
    e o que eu colho no chão do meu quarto
    é o silêncio das coisas vazias,
    é o fruto amargo da solidão.






quinta-feira, 1 de junho de 2017

ALGUÉM POR AÍ TEM UMA PINÇA?

    NALDOVELHO


    Noite friorenta de maio,
    chuva fina, vento macio, delírio.
    Um espinho resiste inflamado,
    lado esquerdo do peito, encravado.
    Uma lágrima no olho engasgada,
    traz certa ardência,
    quer revelar o estrago,
    diz que chorar é preciso,
    só que eu ainda não consigo.
    Na palma da mão, cacos de vidro,
    faz tempo, espetados.

    Vejo ferrugem pra todo lado,
    nostalgia colhida na orla,
    e as palavras indecisas na areia
    dizem que querem ficar,
    mas maré vazante
    quer levá-las pr’um outro lugar.

    E se eu morresse amanhã de manhã?
    E se o silêncio me tomasse de assalto?
    Será que eu conseguiria chorar?

    Noite friorenta de maio...


    Alguém por aí tem uma pinça?