quarta-feira, 30 de novembro de 2016

HOUVE UM TEMPO

    NALDOVELHO

    Houve um tempo de amanheceres nostálgicos,
    dias e dias de desassossego e saudade,
    onde ainda na mais tenra idade,
    meus cabelos já denunciavam um tempo
    diferente daquele que eu devia ter,
    e nos meus olhos o peso de uma bagagem
    que nem sei o porquê eu trazia,
    mas não conseguia compreender.

    Houve um tempo de sonhar com romances,
    histórias sutilmente alinhavadas,
    e encantado vivia sempre em busca
    de mais uma dança; rostinho colado,
    paixão a aflorar dos meus olhos
    e ingênuo que era, eu acreditava
    na eternidade de um instante
    que ficasse em meus guardados
    e que me trouxesse motivos para viver.

    Houve um tempo de brilho nos olhos,
    atrevimento, insensatez e loucura,
    de andar perdido pelas ruas,
    apesar do medo e da solidão,
    e eu não sabia ainda que a poesia
    era o remédio capaz de curar feridas,
    e apaziguar meu coração.

    Houve um tempo, agora é outro,
    onde a dor, a solidão e a clausura,
    não conseguiram me aprisionar na amargura,
    pois sabedor na ternura que existe
    nos caminhos de se viajar por dentro,
    vivo hoje abraçado a minha imensidão.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

MINHA SOMBRA

    NALDOVELHO

    Minha sombra
    normalmente caminha em silêncio
    observando tudo o que eu faço,
    vez por outra me dá um abraço,
    uma espécie de carinho
    e aí sussurra palavras
    no idioma dos anjos;
    algumas já consigo decifrar,
    a maioria não!
    Mas as que consigo,
    revelam coisas
    que me dão força
    para poder continuar.
    Sombra sabida está!
    Desde que eu nasci
    caminha comigo,
    não me pede nada,
    só precisa que o meu corpo
    lhe sirva de abrigo.


quinta-feira, 24 de novembro de 2016

ENCANTAMENTO DE POETA

    NALDOVELHO

    Vida que escorre, ampulheta bendita!
    Cada grão de areia um momento,
    e o tempo sedento pede por mais vida,
    e o meu coração valente resiste,
    tem sempre mais um por do sol,
    uma noite nostálgica, um poema,
    uma madrugada molhada de sonhos,
    um amanhecer em festa,
    e a passarada traz notícias dos longes,
    há sempre uma esperança no ar,
    defeito dos que creem em Deus.

    E no teto do meu quarto
    uma orquestra de pirilampos e estrelas,
    e uma lua exibida e faceira
    me chama para mais uma dança,
    mas exige que seja um bolero,
    gosta de dançar agarradinha,
    só para poder sussurrar indecências,
    lua danada, adora uma saliência!
    Seu retrato da cabeceira da cama sorri,
    e diz que eu não tomo jeito,
    adoro mergulhar numa viagem.

    Mas ao longe eu percebo
    uma cidade que transpira incertezas,
    becos sombrios, esquinas desertas, tristezas...
    Faz tempo não ando por suas ruas,
    faz tempo vivo exilado em meu jardim,
    cultivando bromélias, lírios e jasmins,
    prisioneiro dos meus próprios poemas,
    sorvendo a vida que pulsa dentro de mim.

    Encantamento de poeta! 

terça-feira, 22 de novembro de 2016

SERVO DA MINHA SOLIDÃO

    NALDOVELHO

    Sempre sonhei em ser um herói,
    guerreiro desbravador e audaz,
    sempre fui um bom sobrevivente,
    Dom Quixote atormentado e demente,
    que buscava encontrar um lugar para ficar,
    mas que de um jeito ou de outro
    partia a cada amanhecer,
    nunca fui bom em permanecer.

    Sempre tive adoração pelo futuro,
    dobrar esquinas, caminhar pelo escuro.
    Por isto, sempre fui nostalgia,
    inquietude insistente, poesia,
    desafiar meus limites, apesar do medo,
    só para poder depois retornar
    com lágrimas cristalizadas, saudade,
    náufrago dos meus próprios desenredos.

    Nunca tive jeito para o segredo,
    tão pouco fui um bom amante,
    minhas paixões sempre mal resolvidas,
    desencantos, desencontros, despedidas,
    sangue pisado, cicatriz em carne viva,
    nunca soube do amor de se aprisionar;
    melhor prisioneiro da minha imensidão,
    servo da minha solidão.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

NOVEMBRO

    NALDOVELHO

    E num repente amanheceu novembro,
    se bem me lembro, de pássaros bandoleiros
    na figueira evidenciando o assalto,
    se não ajo depressa comiam todos,
    não sobrava unzinho pra mim.
    Mas ainda assim primavera,
    de sonhos, imagens, quimeras,
    cheiro de vida espalhada pelos cantos,
    lírios, orquídeas, acalantos,
    violetas a brindar o dia...
    Beija-flor em festa
    fixou morada em meu jardim.

    E num repente amanheceu novembro,
    de lembranças, fantasmas, saudades,
    de versos derramados sem pressa,
    e no ar uma cantiga que se apressa,
    e traz para perto a nostalgia,
    roseira chorona se desespera,
    ainda sente falta do jasmim,
    e eu aqui a inventariar estragos,
    alguns ainda sangram dentro de mim,
    ainda bem que a maioria cicatrizados
    já não doem tanto assim.

    E num repente amanheceu novembro,
    de vento macio e janelas escancaradas,
    de coração apaziguado pela ação do tempo,
    já faz tempo eu estou por aqui,
    e cada dia é uma bênção,
    e cada benção mais um passo,
    coisa de quem acredita
    que vive uma história sem fim.

domingo, 6 de novembro de 2016

SUAVE, LICOROSO E TINTO

    NALDOVELHO

    Uma garrafa de vinho
    suave, licoroso e tinto.

    Janela entreaberta,
    cidade molhada de outono
    e cada vez mais eu percebo
    cicatrizes, incertezas
    e a possibilidade de uma lágrima
    apesar do frio e da aspereza.

    É só prestar atenção,
    existirão sempre vestígios,
    num sorriso ensimesmado,
    num olhar mal disfarçado,
    num pequeno gesto de ternura,
    num acidental encontro de mãos.

    Tem sempre uma história
    por trás da solidão e da clausura,
    tem sempre uma esperança
    apesar de toda a loucura,
    tem sempre a sede e a fome
    a nos impulsionar pelo caminho
    e a necessidade do amor
    em cada gesto de carinho.

    Tem sempre um poema
    precisando ser escrito,
    um amor faz tempo proscrito,
    um fantasma escondido no armário,
    uma saudade em busca de agasalho,
    um vento arruaceiro,
    uma sensação estranha,
    um aperto no coração.

    Uma garrafa de vinho
    suave, licoroso e tinto.


quarta-feira, 2 de novembro de 2016

ABRE A JANELA E DEIXE

    NALDOVELHO

    Abre a janela e deixe
    primavera amanhecer em seu quarto.
    Ando muito assustado com a quietude dos sonhos,
    com as noites acinzentadas de abandono,
    com a indiferença das palavras,
    com a solidão que às vezes você se propõe.

    Abre a janela e deixe
    que a primavera derrame pelo chão do seu quarto
    coisas que por descuido você esqueceu.
    Ando muito assustado 
    com as folhas de papel entristecidas,
    com a cadeira de balanço vazia
    e como o tempo a devorar seus dias.

    Abre a janela e deixe
    que a vida percorra os quatro cantos do quarto,
    e imóvel permita que ela beije sua boca,
    acaricie seus cabelos, dissolva seus receios...
    Ando muito assustado com a sua incapacidade
    de se imaginar amando outra vez,
    e uma vez mais, por que não?

    Abre a janela e deixe
    que o vento macio que acaricia a cidade
    varra de dentro de você a solidão e a saudade.
    Ando muito assustado com as impossibilidades.