sábado, 29 de junho de 2013

SONHO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   Sonho aprisionado é água parada,
   com o tempo cria limo, traz doença,
   apodrece dentro da gente.
   Libertado, vira rio,
   espalha sementes,
   transforma existências...

   Tem a pretensão de ser mar!

quinta-feira, 27 de junho de 2013

VOOU PARA BEM LONGE DALI - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   Um pássaro pousado no peitoril da janela
   observa curioso o cenário.

   No interior da sala uma velha senhora
   em sua cadeira de balanço tricota um casaquinho.

   Um gato gordo e pachorrento aconchegado na poltrona
   lambe as patas e adormece.

   Num aquário, dezenas de peixes circulam docemente.

   Um homem lê o jornal e resmunga notícias de ontem.
   Café recém-passado, cigarro entre os dedos, cinzeiro lotado.

   Uma mulher ainda jovem se aproxima da janela, espanta o pássaro,
   e por de traz das grades, olha para o horizonte e sorri.

   E ninguém percebeu que a velha senhora,
   terminado o tricô, dormiu profundamente
   e nas asas daquele pássaro, voou para bem longe dali.


terça-feira, 25 de junho de 2013

CERTAS COISAS - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   Sabe de uma coisa?
   Nem sempre dizer eu te amo,
   significa dizer que eu te quero,
   pois às vezes o desejo esbarra
   nas notas ensandecidas de um bolero
   pleno de desenganos.
   Por isto, melhor ficar em silêncio,
   melhor tomar um conhaque, 
   fumar um cigarro...
   Certas coisas: ainda as faço,
   mesmo que só em sonhos.

AQUELE BEIJO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   Sabe aquele beijo?
   Talvez você nem lembre direito!
   Mas ao mesmo tempo em que trouxe
   o gosto ardido da paixão,
   abriu ferida, causou dor.

   Talvez você nem consiga imaginar
   meu lamento, minha saudade,
   e a nostalgia que sem cerimônia se instala,
   e por maldade deixa coisa mal resolvida,
   querência, desejo e demência,
   e uma vontade incontrolável
   de ficar abraçado, quieto, ao seu lado.

   Sabe aquele beijo?
   Até hoje ele sobrevive
   no silêncio da lágrima
   que na hora da despedida
   se acovardou e não chorou.

   Sabe aquele beijo?
   Não saberia escrever-lhe um poema
   que gritasse ao mundo o que o poeta sente,
   o quanto ele amou e até hoje ama...

   Não saberia fazê-lo sem ser patético
   a ponto de sozinho em meu quarto
   olhar para o seu retrato
   e confessar que não tenho mais coragem
   de chorar versos de amor e dor.

terça-feira, 11 de junho de 2013

PALAVRA VEM, PALAVRA VAI - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDO VELHO
   Dedicado a poeta Rivkah Cohen

   Que os teus versos eram inquietos?
   Disto eu já sabia!
   Já que na promiscuidade das vogais
   acasaladas às consoantes,
   costumas gerar palavras inúmeras,
   adjetivas, substantivas, e até verbos?
   Nada de novo!

   Só não sabia das tramas,
   feitiços que elas eram capazes de urdir.
   Agora não tem mais jeito!
   Palavra projetada em poema,
   vibra no espaço e retorna;
   o bom filho a casa torna
   e traz consigo o carinho
   de energias benfazejas,
   de sementes outras, belezas,
   poemas escritos distantes,
   por mãos incógnitas fronteiras,
   de quem não viveu teus dramas, 
   mas é capaz compreender.

   Pois aquilo que mais almejas,
   é a certeza da Paz duradoura
   com todos em volta de uma mesma mesa,
   não importando o credo ou a raça,
   e se a semântica nos põe em desgraça,
   a poesia a tudo conserta,
   mostra que o amor e mais forte,
   e acreditar nisto é preciso!
   Pois a paz duradoura entre os homens
   há de ser nosso grande tesouro,
   é só continuar vibrando inquietude,
   é só continuar semeando esperança
   para que um dia possamos,
   todos, colher compreensão.

   Quem bom minha amiga querida!
   A palavra viajou pros distantes,
   rompeu fronteiras, semeou delicadezas,
   e hoje retorna ao teu colo
   em forma de um outro poema,
   a mostrar que a razão do poeta é mais forte,
   é semente, o cultivo e a colheita;
   é a pretensão de ser um mensageiro da Criação.


terça-feira, 4 de junho de 2013

O CORPO QUE EU HABITO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

   O corpo que eu habito
   é como se fosse um lugarejo,
   ruas estreitas, travessas,
   becos úmidos e sombrios,
   esquinas, algumas, em festa,
   outras, tristemente, desertas,
   calçadas, meios-fios, desafios,
   lugares solitários e frios,
   uma praça ajardinada sorrindo,
   onde a criança que eu tenho
   costuma brincar.

   O corpo que eu habito
   é como se fosse um lugarejo,
   uma capela, pequenina, sempre aberta,
   muitas casas, com nomes escritos nas fachadas,
   muita gente por lá vive alegremente,
   outros vivem insatisfeitos, inquietos,
   não aceitam quando a saudade diz presente!
   São feridas que insistem em sangrar.      


segunda-feira, 3 de junho de 2013

E EU NEM TENHO QUINZE ANOS - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


NALDOVELHO

Orai, orai, orai! A criança que eu recordo já não chora como antes, mas tem medo de fantasmas, e abandonou a poesia de uma rua arborizada, de pular amarelinha, de jogar bola de gude, de rolar pelas calçadas, de brincar de pique esconde, e deixou já nem sei onde o sorriso inocente. E agora, excitado, busca nas esquinas descobrir o que a vida ensina, ainda que do modo errado.

Orai, orai, orai! No sábado a confissão, e depois a penitência, no domingo a comunhão, e a necessária absolvição. Segunda-feira, mais pecados, e a semana corre solta mais pecados, mais pecados...
           
E a menina bonitinha das coxas molhadinhas, se o pai dela descobre vai até querer que eu case, ou então, manda me prender. E eu nem tenho quinze anos!

Orai, orai, orai! Passo a noite excitado com a vizinha aqui do lado, ela já é bem grandinha, e me chamou pra ir "té lá", mostrou o seio esquerdo e estava sem calcinha, e disse pra eu ficar quietinho que ela deixava eu bolinar.

Minha cabeça já nem sei onde, não consigo mais dormir, e eu nem tenho quinze anos!

Manhã cedo de olheiras, noite inteira no pecado, minhas mãos entorpecidas e meu pau todo esfolado...

Olha o sino da igreja, e o pai chama e avisa: moleque, tá na hora! O padre tá chamando, acorda que hoje é sábado!

Orai, orai, orai! E eu nem tenho quinze anos, se punheta for pecado, eu já não tenho salvação!