quinta-feira, 22 de novembro de 2012

CHRONOS (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Eu tenho o tempo aprisionado em minhas mãos,
   e ele, escravo de minhas vontades, permite
   que eu viaje sempre ao passado
   e traga de lá sementes de palavras fazedeiras
   que no tempo certo germinam
   nos poemas que eu gosto de escrever.

   Mas ele não permite que eu o faça impunemente
   e se vinga toda a vez que eu sonho,
   injetando em minha carne um veneno estranho,
   que contamina os mais secretos recantos do meu ser,
   fazendo com que eu morra um pouco mais a cada verso.

   Eu tenho o tempo aprisionado em minhas mãos,
   e ele, escravo da minha loucura, permite
   que eu mergulhe nas funduras
   e traga de lá coisas esquecidas, cristalizadas,
   para serem trabalhadas com ternura...
   Palavras, imagens, poemas que precisam nascer.

   Mas, uma vez mais ele se vinga,
   pois eu morro um pouco mais a cada instante
   e já não consigo esconder a verdade:
   que o tempo aprisionado em minhas mãos
   devora a vida que eu tenho para viver.

  



domingo, 18 de novembro de 2012

ATRÁS DA PORTA (ARQUIVO)


    NALDOVELHO

   Primavera, novembro, noite deserta,
   e a cidade um tanto ou quanto ensimesmada
   não percebe que as ruas estão nubladas,
   que as esquinas permanecem vazias
   e que a danada da nostalgia
   tomou conta desse lugar.

   Do meu quarto a única coisa que escuto
   é o barulho dos carros em disparada,
   como se tentassem inutilmente fugir...
   Mas eu continuo a viver por aqui,
   buscando as mesmas respostas,
   travando as mesmas batalhas,
   tentando curar minhas feridas.

   É bem verdade, não são as mesmas...
   Sou um poeta desastrado
   que gosta de caminhar entre escombros,
   e que volta e meia teima em se machucar.

   Uma tênue luz abençoa o ambiente,
   na vitrola Elis destila meus tormentos, 
   em cima da mesa: folhas de papel, rascunhos.
   Alguns viram poemas, registros dos meus ais.
   Outros: nada falam, nada revelam...
   
   Primavera, novembro, noite deserta.
   Agora, Elis canta “atrás da porta”,
   e eu continuo a viver por aqui,
   escrevendo sempre os mesmos poemas,
   na esperança de que um dia você venha ler.

    

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

AS QUATRO PORTAS (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Pela porta da frente,
   pessoas saiam compenetradas,
   pareciam donas do mundo
   a trabalhar em assuntos
   de conhecimento profundo.
   No entanto, elas iam e vinham
   e nada resolviam.

   Pelas portas laterais,
   pessoas saiam inquietas
   e cismavam de achar
   que estavam sempre certas.
   Volta e meia brigavam
   e abusavam das palavras vazias.
   Iam e vinham, mas na verdade,
   pouco faziam.

   Pela porta dos fundos,
   pessoas saiam apressadas!
   Em suas malas, muitas suspeitas
   e o medo que alguém pudesse lhes acusar.
   Iam e vinham e cada vez que isso acontecia,
   mais pobre ficava aquele lugar.

   Mas havia aquelas que teimavam
   em permanecer lá dentro,
   quase não falavam, às vezes sorriam,
   não raro choravam 
   e se portavam com se fossem
   as verdadeiras as donas daquele lugar.

   Nem iam, nem vinham,
   mas sempre que podiam, construíam!
   Na esperança que tinham
   de um dia poder melhorar! 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

NO CICLO DAS ÁGUAS (ARQUIVO)


    NALDOVELHO

    No ciclo das águas desfaço o cansaço,
    curo feridas, desmancho embaraços,
    próprios daqueles que caminham
    por esta estrada sem fim.

    No ciclo das águas colho sementes,
    desentranho palavras,
    restabeleço em mim a vontade
    enfraquecida pelo desencanto,
    próprio de quem pela vida se perdeu.

    No ciclo das águas a sabedoria se expande
    e a cada resposta obtida
    converto em mim o descrente,
    pois minha verdade é semente
    colhida pacientemente no curso deste rio.

    No ciclo das águas mil e muitas perguntas,
    e não importa o caminho que eu tome,
    ainda terei de morrer mil mortes
    até poder ser digno da Vossa Lei.

PALAVRA LIMPA (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Sei de gente que gosta
   de maquiar a palavra
   na intenção de exagerar seu brilho
   e assim poder esconder
   seu verdadeiro significado.

   Eu prefiro a palavra limpa
   disposta a ser retalhada em postas,
   para que, assim dissecada,
   possa nos revelar sua alma.

   Só então consigo compreendê-la! 

NO FIO DA NAVALHA (ARQUIVO)


    NALDOVELHO

   No fio da navalha
   um olhar, meio assim, sem juízo,
   uma estranha sensação de loucura
   e o arrepio do abismo
   toda a vez que eu me aproximo de você.

   E a vida escoa impunemente,
   pois a saudade que se tem
   é quase nada, uma bobagem!
   quando o seu carinho diz: presente!

   No fio da navalha
   dias e noites em clausura
   e na poesia de acidentados caminhos
   a necessidade de dissolver os espinhos,
   e o medo de não conseguir compreender.

   Pois a dança do tempo se revela
   numa deliciosa sensação de ternura,
   pois toda a vez que eu acordo ao seu lado
   percebo que ainda há muito o quê viver.

   No fio da navalha,
   as horas agonizam aprisionadas
   no medo de se acordar de repente
   e descobrir que foi só um sonho bom,
   o amor que existia é passado
   e não há mais nada que possamos fazer.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

AO POETA DESCRENTE (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Alguém disse que amanhã nascerá novembro,
   de janela desavergonhadamente aberta,
   de bando de pássaros em animada conversa,
   de louvação as águas que brotam sem pressa,
   de um novo tempo que ousará ser feliz.

   Alguém disse que a vizinha do lado,
   que vive de chorar suas saudades,
   vai parir toda a sua nostalgia
   em poemas de amor eterno
   e que o vento vai lhe trazer um romance,
   e ela sorrirá de alegria e nunca mais será infeliz.

   Alguém disse que o homem rico
   que mora atrás das grades douradas,
   todas as terças-feiras distribuirá seu rico dinheiro
   entre mendigos e arruaceiros
   que em sua porta formarão filas,
   gente faminta e descalça,
   e que ele acolherá em seu quarto
   o enfermo e a meretriz.

   Eu, que sou um poeta descrente,
   prefiro acreditar que o mês de novembro
   vai ser apenas úmido e quente
   e que continuaremos a sofrer nossas dores,
   até que seja ser chegada a hora
   da inquietude que temos ir embora,
   dando lugar a ternura 
   que eu sempre quis ver chegar.


EPITÁFIO (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Mas ele não sabia
   dos caminhos de se olhar por dentro,
   nem das lágrimas
   de se humanizar por fora.
   Viveu como se fosse um pé de vento
   e não deixou nada pra ninguém.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

NA ESTAÇÃO (LUZ E SOMBRAS)


   NALDOVELHO

   Todos os dias na estação,
   por horas e horas ele observava.
   Chorava pelos que partiam,
   sorria com os que chegavam,
   consolava os que ficavam
   e encorajava os que temiam o dia.

   Todos os dias, já faz tanto tempo...
   Tanto, que ele até se esqueceu de partir.

CASULO (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Queria ser borboleta,
   mas por mais que sonhasse
   não conseguia sair do casulo.
   Até que Deus compadecido
   fez ela transpor o muro,
   para que no ciclo das águas 
   aprendesse a caminhar.

ERVAS DANINHAS (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Costumava engolir lágrimas
   colhidas em seu dia a dia
   e sorria, pois ninguém sabia!
   Dizia-se forte
   e que só seria vencida
   pela morte.
   Mas em seu ventre
   ervas daninhas cresciam
   e ela nem percebia!

SÓ NÃO SEI ATÉ QUANDO! (ARQUIVO)


    NALDOVELHO

   A palavra rebelada denuncia,
   que a gargalhada histérica
   conspurca a leveza que existe
   e só traz magoa ao coração,
   que a insanidade dessa gente
   aprisionada a crenças tribais,
   atiça a violência, irmão matando irmão.

   A palavra rebelada protesta
   ao ver a poesia amargurada
   com pena das pessoas
   que anestesiadas não se importam
   que por muito pouco ou quase nada,
   crianças diariamente são mortas
   e nem lhes resta a extrema unção.

   Enquanto isto, é só ligar a televisão,
   assistir a novela ou um filme de sexo,
   ou quem sabe um com muita violência...
   Depois, dose diária de Rivotril...

   Amanhã, Deus o permita,
   continuaremos todos
   anestesiados, felizes...
   Só não se sabe até quando!

TRAVESSIA (ARQUIVO)


    NALDOVELHO

   A suavidade da sua pele,
   a lembrança do aconchego do seu corpo...
   Quantos segredos, quanto mistério!
   Tudo me faz lembrar sua ausência.
   Seus gestos, palavras, sussurros...  
   Muitas vezes eu sequer conseguia entender!
   Só sei ao certo que restaram marcas,
   no meu quarto, no meu corpo, na minha cama
   e na imensa vontade de atravessar aquela porta,
   só para poder ficar junto de você.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

PECADOR CONTUMAZ (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Parece que aquela senhora
   anda querendo entrar no céu.
   Assiste a missa todos os dias,
   paga dízimos a todo instante,
   passa horas e horas
   ajoelhada em novenas,
   pedindo ao Pai que a perdoe,
   mas caminha sem olhar pros lados,
   abaixa a cabeça diante do pecado,
   não sabe da criança que padece,
   finge que não vê que o diabo mora ao lado,
   vive em seu mundo, enclausurada,
   ignora a fome que atormenta a alma,
   não vê o corpo ensanguentado no chão,
   não consegue abraçar seu irmão,
   e em sua solidão, adormece e se acalma,
   anestesiado o seu coração.

   Eu, que vivo de cometer heresias,
   poeta, pecador contumaz,
   vou ter que morrer infinitas vezes,
   até poder encontrar minha paz.   

terça-feira, 6 de novembro de 2012

POR ONDE EU PASSEI (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Os lugares por onde eu passei
   têm a minha marca.
   É bem verdade que existem outras...
   Muitas outras!
   Mas há lugares que só eu sei.

TODOS OS DIAS (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Todos os dias pela manhã,
   ela agradecia ao dia o que viria.
   Nem sempre romance,
   nem sempre ternura,
   muitas vezes loucura!
   Mas, sempre e sempre, poesia!

LUGARES SOMBRIOS (LUZ E SOMBRAS)


    NALDOVELHO

   Conheço lugares
   sombrios e lamacentos,
   onde a luz não consegue entrar.
   O Homem não deixa!

sábado, 3 de novembro de 2012

POR UMA OUTRA MARGEM DE RIO (ARQUIVO)


    NALDOVELHO

   Na margem direita de um rio,
   paisagem distorcida,
   muitas pedras, poucos sonhos,
   coisa árida, já sem vida
   e a estranha sensação
   da ameaça, da tocaia
   a espera de um cochilo,
   ou qualquer desatenção.

   Na margem esquerda muitas sombras,
   vegetação pobre e rasteira,
   um cheiro de coisas mortas
   e a estranha sensação
   de que o destino, este insano,
   destruiu a esperança
   e pôs a culpa na besta
   que nos habita o coração.

   Ao longe a cidade reclama
   por uma outra margem de rio...
   Uma, que nos traga o amanhecer.