sexta-feira, 27 de março de 2015

BORBOLETA E COLIBRI

   NALDOVELHO

   Borboleta e colibri
   trocavam confidências
   num cantinho reservado
   lá no fundo do jardim.
   Falavam de seus amores,
   de seus sonhos e descobertas,
   e das sementes inquietas
   que vicejavam por ali.

   Passarinho bisbilhoteiro
   esticava o pescocinho,
   tentava decifrar a conversa
   para depois revelar ao mundo,
   com seu canto espalhafatoso
   as inconfidências do jardim.

   Quão grande foi a decepção,
   pois eles falavam palavras de anjo
   e o passarinho não entendia,
   mas ainda assim
   para demonstrar que sabia,
   repetia e repetia:
   bem-te-vi, bem-te-vi!

   Jasmim que a tudo assistia
   e que sabia palavreados de anjos,
   sorria, sorria e floria,
   coisa igual eu nunca vi!

segunda-feira, 16 de março de 2015

PALAVRA VERDADEIRA

    NALDOVELHO

    Águas mansas não movem moinhos,
    palavras macias não reescrevem destinos.
    Eu gosto mesmo é de palavra verdadeira,
    e palavra verdadeira tem cheiro de inquietude,
    consistência e amplitude,
    e apesar de áspera como a pedra,
    está sempre pronta a ser lapidada,
    e assim sendo, ser luz em noite escura
    a nos guiar até a segurança de um cais.

    Vento suave não dissemina sementes,
    é só uma aragem!
    Eu gosto mesmo é de ventania,
    espalhar poesia nos longes,
    incomodar a calmaria dos monges,
    romper seus votos de silêncio,
    fazer com que eles se questionem mais.

    Pessoa aprisionada ao seu umbigo
    é como árvore em águas paradas,
    logo-logo apodrece e morre,
    e não deixa nada para ninguém.
    Eu gosto mesmo é de pessoa fazedeira,
    dessa que abre portas estradeiras,
    que sabe aproximar os distantes,
    que é capaz de abraçar o seu vizinho,
    ainda que não concorde
    com a mensagem que ele nos traz.

  

   

segunda-feira, 9 de março de 2015

PROXIMIDADES DO OUTONO

    NALDOVELHO

    Coração até hoje dói,
    ferida que insiste, não cicatriza...
    Nós poderíamos ter caminhado juntos,
    mas a cidade devorou nossos sonhos.
    Nós poderíamos ter colhido
    frutas frescas e saborosas,
    mas escolhemos as amargas.
    Nós poderíamos ter construído uma casa,
    mas não sabíamos como,
    só sabíamos construir portas
    de nos trancar por dentro
    e caminhos de nos fazer distantes.

    Na cabeceira da cama um terço,
    um porta-retratos, livros de poesia
    e uma pequena imagem de Nossa Senhora,
    e em meus ouvidos aquela música ainda toca.
    Pela janela do meu quarto
    um vento perverso traz cheiro de saudade,
    proximidades do outono.
    Quando olho para a minha vida
    percebo que eu escrevi muitas histórias,
    algumas de enorme beleza,
    só não consegui escrever
    uma que falasse de nós dois.