domingo, 4 de setembro de 2011

DEUSES ERRADOS

   NALDOVELHO

   Em cima da mesa o livro sagrado,
   ao lado: um punhal sujo de sangue.
   Na parede em frente um crucifixo,
   no corpo: marcas, cicatrizes.
   Algumas feridas, ainda incomodam,
   vez por outra, inflamam, doem.
   No armário: vestes, armaduras.
   Nos sonhos: caminhos estranhos, peregrinação.
   Nos jornais: notícias de uma terra distante,
   conflitos, morte, destruição.
   Na boca: um gosto amargo de sangue.
   Nos olhos: inquietude, medo, aflição.
   Ligo a televisão e percebo o engano:
   nem faz muito tempo, trilhei caminhos profanos,
   violei templos sagrados, cultuei deuses errados;
   nem faz muito tempo, martirizei meu corpo,
   colhi espinhos, abismos, solidão.
   Abro a janela e respiro o ar da madrugada.
   Ao longe: o som estridente de uma sirene...
   Bem perto: uma rajada seca de balas.
   E a cidade sufocada por conta de tanta omissão,
   prisioneira dos seus erros, sitiada pela incompreensão.
   Na estante um livro de poemas.
   Muito pouca gente leu!
   Na escrivaninha um outro inacabado.
   Em minha boca permanece o gosto de sangue
   e as pessoas não percebem que a hora é esta,
   como eu, continuam a cultuar deuses errados.

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