segunda-feira, 12 de setembro de 2011

COISAS GUARDADAS (LUZ E SOMBRAS)


   NALDOVELHO

   Dentro do meu armário,
   no fundo de uma gaveta,
   pedaços do meu passado,
   tiras, retalhos, guardados,
   tudo devidamente catalogado.

   Guardo o quintal da vizinha
   com amoreira e tudo,
   e uma mangueira frondosa,
   manga carnuda e gostosa.

   Guardo um gato safado,
   o nome dele é Veludo,
   e um cachorro vira-latas,
   já bem velhinho e surdo.

   Guardo um pato maluco
   que de quando em vez,
   anda todo de lado,
   come chiclete e bola de gude.

   Guardo uma unha encravada
   que depois de um racha de rua
   ficou bastante inflamada
   e deu um trabalho danado
   pro Seu Luiz da farmácia
   conseguir arrancar.
   Deus do céu, como doeu!

   Guardo um beijo roubado
   da filha de uma outra vizinha
   e as coxas quentinhas
   de uma priminha assanhada.

   Guardo o bilhete amassado
   escrito por uma ex-namorada
   que marcou comigo e coitada,
   ficou constipada e não compareceu.

   Guardo o pátio do Liceu,
   onde os primeiros poemas,
   na realidade rabiscos,
   que aos quinze anos ousei.0
   Guardo a turma da esquina,
   nas madrugadas impunes
   e tudo que aprontávamos.

   Guardo o primeiro maço de cigarros,
   marca Mistura Fina,
   e um belo de um catiripapo
   por estar fumar escondido,
   foi o Tio Carlinhos quem deu!

   Guardo o primeiro porre,
   vinho suave e conhaque
   e o primeiro violão,
   ainda com cordas,
   mas desafinado.

   Guardo um monte de sentimentos,
   todos muito, bem enraizados
   que o tempo não dissolveu;
   guardo as incertezas da vida
   e um tempo em que eu nada sabia,
   mas tinha todas as respostas,
   ou pensava que tinha!

   Guardo finalmente a constatação
   que ainda hoje nada sei,
   e por amor a minha vida,
   guardo a criança travessa
   escondida no fundo do meu EU.

Nenhum comentário:

Postar um comentário