NALDOVELHO
Não reconheço o poeta que não tenha arestas, que
não tenha vivido os contrastes e que não tenha em sua bagagem muitas histórias,
boa parte delas mal comportadas, mal resolvidas e, às vezes até, inacabadas...
Não reconheço o poeta que não tenha espinhos,
muitas farpas e cacos espetados por todo o corpo, feridas mal cicatrizadas,
cortes, desgostos que sangram toda vez que alguém toca, e que vez por outra
ardem, doem...
Não reconheço o poeta que tenha perdido a coragem
de tentar sempre outra vez, outra vez, e mais outra vez... Apesar de saber que
vai voltar a arder, a sangrar e a doer.
Não reconheço o poeta que não tenha vivido um
drama, que não tenha se envolvido numa trama, que não tenha dobrado muitas
esquinas, ou que tenha como trajetória uma reta e longa linha, que não tenha
sobrevivido a um feitiço, que não tenha se perdido em desvios, em atalhos, que
não tenha caído em muitos buracos, ribanceiras, que não tenha arranhado todo o
corpo e por força das suas incertezas, não seja meio labirinto, meio esfinge,
meio esboço.
Não reconheço o poeta que não tenha praguejado, que
na perda não tenha chorado, que no desencontro não tenha se lamentado. Podia
ter sido tão bom!
Não reconheço o poeta sem pecado, que não tenha
caminhado errado, que não tenha se enganado, ou não tenha sido enganado, que
não tenha dormido em alguma cama estranha em busca de um outro sabor. Se não
dormiu, sonhou ou então desejou!
Não reconheço o poeta que não tenha uma sombra, um
fantasma, um arrependimento, frutos de um dissabor ou de um constrangimento,
que seja sem conflitos, sem desgastes, sem atritos.
Não reconheço o poeta que não seja indecente, que
não tenha uma boa quantidade de veneno escorrendo dos seus lábios, ou guardado
entre os dentes; que seja bem comportado, bem resolvido, harmonizado; que viva
em plenitude, que seja feliz, sem ser hipócrita, pois todo o poeta é um louco,
um buscador que se alimenta da vida, todo o poeta é o “antinirvana” e ele é
como é, e ainda bem que assim é!
Aqueles que são poetas entenderão, aqueles que
fingem, contestarão. De qualquer maneira peço licença para que eu possa passar
com a minha confusão. Quero assim poder continuar semeando a busca pela
compreensão.
ASSIM É TODO POETA!!!!!
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