MEUS GOSTOS

   NALDOVELHO

   Descobri que gosto de boleros,

   mas só os cubanos, de harmonias estranhas,

   dissonantes ao piano.

   Gosto também de um bom tango,

   não dos dramáticos, tingidos de sangue,

   de dor, ou de abandono,

   mas dos nostálgicos, desprovidos de danos.

   Astor Piazzolla, navega sempre em meus sonhos.

   Gosto também dos blues,

   visceralmente ardidos,

   descaradamente doidos:

   Billie Holiday, Janes Joplin:

   sempre uma grande viagem,

   sem norte, sem rota e sem planos.

   Quando penso num samba

   escuto logo um surdo

   num ritmo compassado

   e levado em tom menor.

   Tipo aqueles que nos dão a certeza

   de que está tudo aí sobre a mesa

   e só ter coragem e sentir.

   Prefiro os chorões aos chorinhos,

   flauta transversa, clarinete do Moura,

   um bandolim bem matreiro,

   um trombone em surdina

   e o malandro na pista

   não sabe se chora ou se goza.

   Sei não!

   Será que estes gostos

   são os reflexos dos meus ais?

   Sua benção, Antonio Carlos Jobim!

   Às vezes penso que Águas de Março

   foi inspirada em alguém como eu,

   um tanto pedra, um tanto fogo,

   um tanto ar, bastante água,

   e numa marcha estradeira

   com princípio e sem fim.