NALDOVELHO
Quero quebrar a vidraça, arrombar a janela, mergulhar sobre a praça, assustar os que passam. Lá tem banco de areia, é só brincadeira, nem vai machucar!
Quero romper estes laços, deslizar no escorrega, mergulhar no espaço, levitar no balanço, o meu passado eu alcanço, bola de gude ou de meia, o pião, a fieira, brincadeira de esconde, me perdi, nem sei onde... Quanta saudade no ar!
Nunca gostei de atiradeira! O passarinho, o ninho, uma puta bicada, um susto e um tombo. Quem mandou bisbilhotar? Só sei que valeu a pena ver os pequeninos no ninho, acho que ali nasceu um poeta, filho do encanto e da dor.
Viver trepado em árvores a colher o fruto maduro: sapoti, jambo, amora, é só pular o muro e o vizinho nem briga. No meu quintal tem goiaba, lá no morro pitanga...
- Desce daí menino, não vá se machucar!
Daqui a pouco escurece e o morcego aparece, parece um rato com asas, deixa-me descer desta árvore, “despular” este muro e ir brincar em outro lugar.
Quero o joelho ralado, o pé destroncado, estava brincando de pique, pisei num buraco mais fundo e aí caí de maduro, acho que vou ter de engessar!
Quero a inocência de ontem, quero a primeira namorada, de mãos dadas, tão trêmulas... Quero as coxas da priminha, eram quentes, molhadas, o seu nome eu não digo, não posso revelar. O despertar do menino, já faz quarenta e muitos anos, aqueles cabelos tão negros, e os seios? Ah! Os seios... E aquele monte de pelos... Lá se foi a inocência! Fiquei alucinado, não sabia fazer direito e ela teve que ensinar. Só não perdi a ternura e a poesia do instante que eu guardei pra lembrar. Foi um pecado tão doce, não dava pra recusar.
Quero o primeiro amor e desta feita sem dor. Quero o banco da escola, quero a turma do Liceu, quero a turma da esquina, quero varar a madrugada para jogar conversa fora. Quero tocar violão, quero compor mais uma canção, uma que fale de amor... De sofrimento não, quero as coisas dando certo. Neste sonho as coisas têm que dar certo.
Quantas lembranças guardadas, quantas vidraças quebradas, quantas janelas e portas estupidamente arrombadas, mas ainda me restam os poemas, sonhar vale a pena! Reinventar minha vida, caminhar com cuidado, para não matar o menino que ainda existe em mim.
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