sexta-feira, 28 de outubro de 2011

OBSCENIDADES (ARQUIVO)


   NALDOVELHO

   Obscenas são as lágrimas
   que se contêm reprimidas
   num compartimento, espremidas,
   e que se recusam ao pranto
   por constrangimento ou vergonha
   e que a cada instante se entranham,
   cristalizados os desencantos
   que a vida não conseguiu dissolver.

   Obsceno é o sentimento abortado
   pelo medo de novas feridas,
   posto que as que ainda persistem
   sangram não cicatrizadas
   e na mudança de tempo
   costumam doer,
   é manter janelas fechadas
   a impedir que a madrugada possa
   renovar no peito a crença
   num novo amanhecer.

   Obsceno e recusar-se ao poema
   para não se expor o dilema
   que a vida ao criar obstáculos
   ofertados em forma de escolhas
   trouxe para o nosso viver,
   é não perceber que nenhuma escolha,
   não passa também de uma escolha,
   a de não se permitir o porvir.

   Obsceno e negar o amor que ainda existe
   e transformá-lo em mágoa latente,
   triturada assim entre os dentes,
   até que brote dela o veneno
   que certamente irá nos destruir.
    
   Obscenas são as chaves
   que não abrem portas,
   e ainda dizer, pouco importa!
   pois não se tem para onde ir.

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