quinta-feira, 26 de julho de 2018

O TEMPO QUE EXISTE EM MIM


    NALDOVELHO


    O tempo que existe em mim
    pulsa de um jeito diferente
    do tempo de toda essa gente.

    Às vezes arrastado como um bolero,
    em outras, ardido como um tango,
    tem dias que ele pulsa maldito
    como se fora um blues,
    ainda bem que quase sempre
    ele tem leveza de uma valsa.

    No tempo que eu tenho
    lágrimas escorrem quando eu me emociono,
    o sorriso tem a delicadeza de um carinho
    e o carinho é joia rara a ser ofertada    
    toda a vez que o amor supera a paixão.

    O tempo que existe em mim
    é poema que eu não consigo escrever,
    pois toda a vez que eu tento
    ele pulsa patético como quem
   ainda tem muito que aprender.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

ALGO SE QUEBROU


    NALDOVELHO
  
    Algo se quebrou,
    mas pelo chão do quarto
    eu não encontro
    estilhaços do que sobrou.

    Na estante desarrumada
    um relógio marca o tempo
    que me restou,
    e num retrato empoeirado,
    ruínas de uma época
    onde achávamos
    que tudo sabíamos,
    que tudo podíamos.
 
    Em cima da mesa
    um amontoado de livros,
    papeis em desordem,
    rascunhos de poemas,
    e numa vitrola antiga
    Billie Holiday causa um estrago.

    Ainda sinto a falta de um cigarro
    e de uma boa dose de conhaque,
    mas ao abrir as janelas da casa
    eu descubro que de dentro de mim
    você partiu e nem seu deu ao trabalho
    de dizer adeus.

   Algo se quebrou,
   mas em  mim
   eu não mais encontro
   estilhaços do que restou.


sexta-feira, 20 de julho de 2018

DIGA-ME


    NALDOVELHO

    Diga-me quantas estrelas
    você conseguiu colher
    antes do alvorecer?
    Quanta saudade
    conseguiu guardar
    nas trilhas de me esquecer?
    Quantas lágrimas,
    quanta nostalgia,
    noites inteiras
    passadas insones?

    Mostre-me o poema
    que você escreveu
    ao sussurrar meu nome.
    Conte-me da lua pequenina,
    lua nova menininha,
    que você acolheu
    em seus braços
    e que quando crescidinha,
    lua cheia de magia,
    você libertou.

    E eu direi que em mim,
    sobreviveu a loucura,
    o escândalo, a ternura,
    que ainda sinto o seu cheiro
    e sinto o tempo inteiro,
    que até hoje na gaveta
    da mesinha de cabeceira
    eu guardo a calcinha rendada
    que de sacanagem você esqueceu,
    que mantenho o seu retrato
    na terceira prateleira,
    lado esquerdo da estante,
    e que ele sorri toda a vez
    que eu escrevo um poema,
    e que aquela maldita música
    ainda soa em meus ouvidos,
    e não há nada que eu possa fazer.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

EMOLDURADO PELO SILÊNCIO


    NALDOVELHO

    Da janela do meu quarto eu percebo
    um doce lamento trazido pelo vento;    
    um único som emoldurado pelo silêncio.

    No outono dos meus dias
    a insônia ainda é um tormento
    e o menor detalhe que seja
    aguça meus sentimentos.

    Já são quase quatro horas
    de uma noite friorenta de junho,
    das paredes do meu quarto
    brotam palavras no idioma dos anjos,
    algumas eu já entendo, a maioria não.

    Daqui a pouco amanhece
    e a madrugada invade meu quarto
    em busca de palavras que possam
    proporcionar-lhe uma prece,
    anseia em ser traduzida por uma cantiga...
    Triste sina de um lamento
    trazido por um pé de vento.

    Da janela do meu quarto eu percebo
    um sol envolto em neblina
    emoldurado pelo silêncio.


domingo, 1 de julho de 2018

LEMBRO BEM


    NALDOVELHO

    Lembro bem da cantiga de ninar...
    Bênção mãe, bênção pai!
    Dorme com Deus meu filho!
    E eu a sonhar com um trenzinho sem trilhos,
    caixinhas de fósforos amarradas com um barbante,
    e numa velha caixa de sapatos
    a estação de partida era
    ao mesmo tempo a de chegada...
    Eu atravessava rios, lugares ermos,
    serpenteava por vales
    que se perdiam na eternidade,
    pernoitava em solitárias cidades,
    e ao amanhecer:
    limalha de ferro em minhas veias,
    nos pulmões o carvão até hoje queima,
    e no meu coração ainda sinto saudade.

    Lembro bem da cantiga de ninar...
    Mãe deixa a luz do quarto acesa;
    e você respondia que não!
    Que eu dormisse tranquilo
    pois o Menino Jesus iria me olhar,
    e hoje quando fecho os olhos
    ainda brilha uma luzinha azul
    junto à Sua imagem no colo de Maria
    na entrada do quarto.

    Não sei nem dizer o porquê,
    mas até hoje eu acredito em Você!