quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

PALAVRAS EM PRECE


    NALDOVELHO


    As palavras que eu tenho  
    às vezes hibernam e emudecem,
    para aquele que olha atentamente,
    parece que estão fazendo uma prece;
    nestes momentos, coitados,
    passarinhos entram na muda e nem piam,
    o tempo caminha em silêncio e se entristece,
    o ar fica pesado e nada que eu faça ou tente,
    desperta em mim a magia,
    do novo, do inusitado, da poesia.

    Só que independente da minha vontade,
    o poema se cansa deste marasmo,
    se contorce dentro das minhas entranhas,
    e dá uma inquietude danada,
    o estomago fica enjoado,
    o coração bate descompassado,
    e eu me acabo num choro convulsivo,
    palavras liquefeitas e ardidas,
    paridas espremidas em versos,
    que logo florescem e me acalmam,
    a ponto de me fazer crer
    que elas realmente estavam em prece,
    estiagem precisa da alma,
    que vive em busca de caminhos
    próprios de quem quer crescer.

DESCER DESTE TREM


    NALDOVELHO


    Penso que hora dessas
    vou ter que descer deste trem.
    Saltar solitariamente na primeira plataforma,
    caminhar pelas de outra cidade,
    colher amanheceres diversos,
    cultivar entardeceres iluminados
    de flores de inebriante perfume
    e anoitecer na solidão de um quarto,
    morrer docemente, dormir em paz.

    Penso que hora dessas
    vou ter que traçar novos planos,
    estabelecer novos rumos,
    libertar o espírito que agoniza em mim,
    fazer da sabedoria meu princípio e o meu fim,
    sentar próximo a minha janela,
    colocar as todas as coisas em dia
    sem ter que me preocupar em escrever poemas,
    que digam o que eu achei de cada uma delas.

    Penso que hora dessas
    vou ter que parar de ir daqui pra ali,
    dali para o acolá e depois voltar
    desiludido para o mesmo lugar,
    me libertar do círculo vicioso
    que teima em me sufocar,
    escrever sobre uma nova realidade,
    uma que sequer um dia eu ousei sonhar.

    Penso que dia desses
    vou ter que desembarcar deste trem,
    certamente numa outra cidade,
    bem depois de todos os mares
    que até hoje eu consegui navegar.
    Penso que hora dessas
    eu vou ter que renascer.
 

   


CASA VELHA


    NALDOVELHO


    Creio que a casa que me abriga,
    há tantos e tantos anos,
    anda apresentando sinais de fadiga;
    diversas e sérias avarias:
    pisos e azulejos soltando,
    rachaduras nas paredes,
    goteiras, reboco caindo,
    problemas na parte hidráulica
    e na rede elétrica,
    e até certo esgotamento estrutural.
    Penso que dentro de um tempo
    eu vou ser obrigado a me mudar.
    Casas não são eternas;
    eu também não.


NOVOS DIAS


    NALDOVELHO


    Hoje ao amanhecer,
    depois de muito tempo,
    me peguei olhando para o céu.
    Não sei bem o porquê,
    tive a impressão
    de ver anjos sorrindo.

sábado, 12 de janeiro de 2019

LUA NOVA


    NALDOVELHO

    Algumas vezes
    lua nova nasce
    dentro do meu quarto
    e fica ali até não caber mais,
    e enquanto ela cresce
    quanta magia e sedução
    ela espalha pelo ar.

    Outro dia uma lua pequenina
    me pediu para ensiná-la a dançar,
    queria aprender sobre a valsa,
    e me disse que um dia
    ela iria dançar no céu de todo o lugar,
    e com um olhar maroto falou:
    vou seduzir as estrelas
    quero como elas brilhar.

    Algumas vezes
    o sol vem até a minha janela,
    só para poder espiar.


quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

POEMA PATÉTICO


    NALDOVELHO
 

    Quando o destino apronta
    embaraça nossos fios
    e a paixão nos causa arrepio;
    como evitar a secura nos lábios,
    as lágrimas assanhadas,
    as mãos trêmulas e abusadas;
    como evitar a inquietação?

    Se o que me ofereces
    é doce, licoroso e branco;
    como evitar a embriaguez
    própria dos fracos de coração?

    Se o quê se apodera de minha alma
    é alimento para tantos
    e patéticos poemas;
    como me libertar do jugo
    de quem me devora em postas,
    se banqueteia no meu sangue,
    crava suas unhas em minhas costas
    e me olhando nos olhos
    sorri sem a menor compaixão.

    Quando o destino nos embaraça os fios,
    é melhor deixar que me incendeiem a casa,
    ter labaredas no meu corpo em brasa,
    pois por mais que me digam ao contrário
    eu não quero te dizer não.

 



terça-feira, 8 de janeiro de 2019

MANHÃ DE JANEIRO


    NALDOVELHO


    Amanhecer nostálgico, janeiro,
    e ao me libertar dos lençóis
    me vejo envolto em sutilezas.
    Lá fora o sol sem alarde afugenta as sombras,
    é luz demais para que possam resistir.
    Aqui dentro do quarto a preguiça é um fato.

    Vou até a cozinha e passo um café,
    chego a tempo de ver pela janela
    beija-flor namorando a flor mais bela,
    sabiás atracados na figueira,
    e o pé de amora, coitado,
    deita suas folhas secas pelo chão.

    Vou para a sala, abro portas e janelas,
    na varanda um cachorro de louça,
    guardião da minha solidão.
    Nos jornais as notícias de ontem;
    por aqui, a vida diz que adora os poetas,
    me beija a boca
    e me convida para dançar.

    Bom dia janeiro.




segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

MEUS CAMINHOS

    NALDOVELHO


    Se eu te mostro um caminho,
    não o siga!
    A intenção é apenas
    a de mostrar
    que eles existem,
    até porque, este em especial
    não te pertence;
    cada um de nós tem o seu.


BENZEDURA DE ORVALHO

    NALDOVELHO

    Benzedura de orvalho
    costuma curar dores da alma,
    restabelece no sujeito a calma,
    apazigua a inquietude que arde,
    e permite que a insônia insistente
    possa enfim entregar os pontos.

    Mas é bom benzer-se na madrugada,
    um tantinho assim antes do amanhecer,
    quando o galo anunciar a alvorada,
    custa pouco, quase nada,
    e nem precisa ser todo o dia,
    depois é só mergulhar
    na penumbra do seu quarto
    e tratar de dormir.

    Garanto que quando acordar
    vai se sentir renovado,
    poeta precisa muito destas coisas...
    Benzedura de orvalho
    quando é feita na madrugada,
    faz o sujeito se compreender por dentro,
    é alimento que faz crescer.


domingo, 6 de janeiro de 2019

DESCER DESTE TREM

    NALDOVELHO

    Penso que hora dessas
    vou ter que descer deste trem.
    Saltar solitariamente na primeira plataforma,
    caminhar pelas de outra cidade,
    colher amanheceres diversos,
    cultivar entardeceres iluminados
    de flores de inebriante perfume
    e anoitecer na solidão de um quarto,
    morrer docemente, dormir em paz.

    Penso que hora dessas
    vou ter que traçar novos planos,
    estabelecer novos rumos,
    libertar o espírito que agoniza em mim,
    fazer da sabedoria meu princípio e o meu fim,
    sentar próximo a minha janela,
    colocar as todas as coisas em dia
    sem ter que me preocupar em escrever poemas,
    que digam o que eu achei de cada uma delas.

    Penso que hora dessas
    vou ter que parar de ir daqui pra ali,
    dali para o acolá e depois voltar
    desiludido para o mesmo lugar,
    me libertar do círculo vicioso
    que teima em me sufocar,
    escrever sobre uma nova realidade,
    uma que sequer um dia eu ousei sonhar.

    Penso que dia desses
    vou ter que desembarcar deste trem,
    certamente numa outra cidade,
    bem depois de todos os mares
    que até hoje eu consegui navegar.
    Penso que hora dessas
    eu vou ter que renascer.