domingo, 30 de dezembro de 2018

ODOYÁ


    NALDOVELHO

    Eu vi uma menininha
    caminhava pela praia
    em direção aos rochedos
    e falava com as ondas do mar.
    Dizia ter título de realeza
    e que seu nome era Janaína,
    e que era a filha preferida
    de minha madrinha Iemanjá.

    Tinha olhos de profundezas
    e conversava com a lua,
    assim como nós conversamos
    com as pessoas em todo o lugar.
    E tinha o sorriso mais belo,
    voz de encantamento e carinho,
    em seus braços rosas brancas sem espinhos,
    e semeava amor pelos caminhos,
    como se quisesse nos ensinar.

    Oh menina princesa!
    Carrega para o fundo do mar
    meus medos e minhas tristezas,
    diz para a madrinha que eu sou um poeta,
    irremediavelmente apaixonado,
    e que gosto de colecionar ternuras,
    colares, conchinhas, pedrinhas,
    essências maturadas em sonhos,
    poemas alinhavados em delicadezas
    e assim desfaço as amarguras,
    próprias das noites escuras.

    Oh menina princesa!
    Diz para a sua mãe o meu nome
    e pede para me abençoar.
    Odoyá!

sábado, 29 de dezembro de 2018

PRENÚNCIO DE OUTONO


    NALDOVELHO

    Ontem pela manhã,
    logo após o nascer do dia,
    um vento arruaceiro
    invadiu meu quarto
    e trouxe cheiro de mato,
    alvoroço de pássaros bisbilhoteiros,
    que a todo custo tentavam
    trazer notícias dos longes.
    Algazarra danada,
    pois cada um queria ser o primeiro
    a me passar as novidades:
    dizer que o amor foi mais forte
    e que apesar da distância,
    sobreviveu em nós o encanto.

    Ontem pela manhã,
    logo após o alvorecer,
    a saudade tomou conta do meu canto
    e trouxe cheiro de alfazema,
    o som de um piano
    visceralmente doído, 
    um poema orvalhado e sentido,
    lágrimas no canto dos olhos,
    e uma vontade de fazer um escândalo,
    abrir a janela para o mundo e dizer:
    ainda te amo! 

    Ontem pela manhã,
    um café quente e encorpado,
    a vontade de fumar um cigarro...
    Lá fora, chuva fina, vento frio,
    prenúncio de outono;
    aqui dentro, sobrevive o espanto,
    e um passarinho arruaceiro
    a sussurrar em meu ouvido:
    ainda é tempo, hora de recomeçar,
    pois em algum lugar desta estrada
    nós vamos nos reencontrar.


segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

HÁ UM TEMPO


    NALDOVELHO

    Há um tempo certo
    para o cultivo de lágrimas,
    só que por serem de natureza
    e tempo de semeio diferentes,
    brotam cada qual
    no seu tempo próprio de floração.  

    Há um tempo certo
    para o amadurecimento
    da dor de cada ferida,
    até que assim de repente,
    num simples gesto
    de delicadeza ou beleza,
    a cicatriz possa,
    em nós, prevalecer.

    Há um tempo certo
    para o crescimento do ser...
    Cada um tem o seu,
    pois só depois de se aprender
    sobre o silêncio e a solidão,
    poderá ele colher compreensão.

    Há um tempo certo
    para se sobreviver a morte,
    pois só depois deste tempo
    e sabedor dos caminhos
    poderá o ser viajar em sua imensidão.