NALDOVELHO
Como ter a pretensão de ser a metade
de alguém que se mostra assim tão inteira,
pois se ao mesmo tempo que te apresentas
tal qual brisa suave, tipo fresca aragem,
surges também tempestade a modificar a paisagem,
só para desentranhar de mim boas sementes,
coisas preciosas, segredos, presentes.
Se de repente eu me quedo em silêncio,
tipo atormentada calmaria,
surges então pé de vento a me levar noite adentro
através de madrugadas molhadas
e a me deixar beber em teu colo
todo o orvalho que a noite foi capaz de te trazer.
Como ter a pretensão de ser a metade
de um foco de luz tão intenso
que ilumina e cura as feridas,
e que descortina novas sendas, caminhos
que eu nunca fui capaz de perceber.
Se és chama branda e suave
que hoje me aquece do frio,
se és a graça que eu preciso
para restaurar no poeta a alegria de viver,
como eu poderia pretender?
Não... Não há como ser a tua metade,
no máximo uma fração menor anexada ao teu ser.
Seria então apenas um amante,
que fosse, porém, sem algemas,
para poder descobrir em ti a ternura,
para poder enfim chorar sem vergonhas,
não pela dor ou desencantos tamanhos,
mas por pura sensibilidade à beleza
que eu sei, um dia eu vou te merecer.
E aí verias, num meu sorriso a verdade
de um homem harmonizado,
e por opção, a ti aprisionado,
pois bendita és tu mulher,
que me atravessou o caminho,
só para ensinar umas coisinhas,
essenciais para que eu pudesse crescer.
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