domingo, 6 de janeiro de 2013

SAUDADES DO AMIGO (ARQUIVO)


    NALDOVELHO

   Trago em minhas entranhas
   poemas tolhidos, feridos,
   sensações de um passado
   de muitas mordaças,
   ameaças, castigos,
   lembranças de um tempo
   onde o meu pensamento
   era como um rio subterrâneo, 
   que desembocava em vertentes
   doloridas e urgentes.

   Trago em minhas lembranças
   a imagem do amigo
   que desapareceu na fumaça,
   dos livros queimados em segredo
   e das ideias pisoteadas
   pela violência nas praças,
   esporas, patas, cavalos...
   Ou então na tortura
   que ainda hoje vigora,
   resquícios do antigo
   que tanta dor nos causou.
        
   Trago em minhas narinas
   o cheiro de sangue
   dos porões dos navios,
   das fezes, latrinas,
   do cheiro de urina,
   impregnados nas roupas
   e o gosto na boca
   da comida estragada
   e a fome, e o medo,
   e o medo, e o medo...

   Trago, comigo o grito estridente
   e a lágrima quente por dores urgentes,
   sussurradas entre dentes
   a revelar que o pensamento
   desapareceu na violência
   do pau de arara maldito,
   na água gelada e ardida,
   fios ligados, circuitos,
   e no terror convulsivo,
   dias e noites sem dormir.
   
   Trago feridas, até hoje doídas,
   que o tempo ainda não cicatrizou.

   Quem sabe um resgate de vida?
   Quem sabe reencontrar meu irmão?
   O nome dele eu não digo,
   nem sob tortura eu confesso
   que sinto saudades daquele
   que embarcou revoltoso
   nas asas de um estranho pássaro
   que sequer decolou.

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