quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

COTIDIANO (PROSA POÉTICA)



NALDOVELHO

Ontem pela manhã, ao acordar, olhei para a cama e notei que você não mais estava. Lavei o rosto, escovei cabelos e dentes e no ar a impressão de que alguma coisa estava errada. De repente ainda estaria dormindo, ou quem sabe, não de todo acordado.

Fui até a cozinha, um café bem quente, um cigarro bem tragado, depois para o chuveiro, um banho bem gelado, despertar as partes que ainda não haviam acordado; após, vestir a armadura e pronto: colocar a máscara e sair.

Respirei fundo, desci a rua depressa, o ônibus não tarda e o próximo custa a passar. Embarquei assim, meio imprensado, engarrafado, na verdade esmigalhado e um tanto ou quanto embaralhado naquele mundo de gente e com a estranha sensação de estar no ônibus errado, com medo de perguntar ao motorista que com cara de poucos amigos mal conseguia grunhir.

E assim, foi desse jeito suado, que ao chegar ao trabalho e olhar para o relógio percebi: novamente atrasado!  Fui para a minha sala, um monte de problemas acumulados, engavetados, um chefe que raramente está e quando está, está irritado, quem sabe, também desmotivado? O paletó na cadeira, nunca responde, não resolve! Desse jeito, nada anda, só desanda e cada vez mais forte a sensação de que alguma coisa estava errada!

Na hora do almoço, engolir a comida depressa, depois um café requentado, já meio frio e amargo, acender a muleta e um trago. O pulmão a reclamar o estrago, denuncia uma respiração afrontada e uma forte pressão no peito, mais para o lado direito, uma certa dormência nos dedos... Sei lá! 

Voltei para as minhas correntes um tanto ou quanto mareado, dois maços fumados e o dia ainda pela na metade.

Mais tarde, ao anoitecer, com uma azia danada, de novo engarrafado, embaralhado, num ônibus lotado e numa freada arranjada, perdi o equilíbrio, e pronto!  Sentei no colo errado! Uma mulher invocada achou que eu era um tarado, tomei uma porrada no peito, quase fui linchado, mas por sorte o Serafim, um meganha sarado, que mais parecia um anjo invocado e que a tudo assistia, fez valer sua autoridade. Acabou com a bagunça e eu pude prosseguir, só que cada vez mais desconfiado de que alguma coisa estava errada, eu só não sabia o quê!

Cheguei em casa bem tarde, o pulmão dolorido, três maços contados, mais a porrada no peito, e eu nem conseguia tossir. Um bilhete na porta e um silêncio danado. Acabara de descobrir que você não morava mais aqui.

Ainda me restavam alguns cigarros e a tola esperança de que um copo de aguardente pudesse lavar esse dia e me ajudar até que a madrugada viesse e trouxesse em seu colo uma nova realidade...

Quem sabe, ao acordar, eu viesse a descobrir que o dia mal vivido era um sábado? Que tudo havia sido um pesadelo, um bem ruim!  Que você não foi embora e estaria dormindo ao meu lado? Que tudo tinha sido culpa da maldita cachaça, da falta de ar e do cigarro? Quem sabe esta sensação estranha não passasse de uma brincadeira de mau gosto que o meu cotidiano resolveu aprontar?

Mas não! A casa em silêncio, a cozinha desarrumada, e o bilhete em cima da mesa. Você foi embora e nem cigarros eu tenho mais, e a garrafa de aguardente vazia... Melhor deitar bem depressa, dormir e quem sabe, nunca mais acordar!

Um comentário:

  1. Triste dia ...
    Pinceladas fortes!
    Texto denso!
    Gostei!
    Parabéns, Naldo!
    Abraços
    rosangelaSgoldoni

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