NALDOVELHO
Faz tempo eu percebo sua presença, sua
sombra de relance, o contorno do seu corpo e até o seu cheiro. Só não consegui
ainda ver o seu rosto! Não sei da cor dos seus olhos, nem da textura da sua
pele e já faz um bom tempo que eu carrego a impressão da sua voz em meus
ouvidos, meio rouca, palavras poucas, pelos sofrimentos que você teve que
passar.
Outro dia quase que lhe vi por inteira! Cheguei a
ficar afrontado. Suor frio, coração descompassado, e de tão nervoso até pensei:
chegou o dia afinal! Mas era um engano,
ainda não havia chegado a hora de tê-la concretamente ao meu lado.
Faz tempo que eu sei que você me sonda. Todas as
noites ao passar pelo meu quarto e ao debruçar sobre o meu corpo adormecido,
você toca de leve com seus lábios o meu rosto e o que fica é uma sutil
impressão de frescor pelo ar.
Noite dessas, achei que acarinhava o meu cabelo.
Mantive então os meus olhos fechados para não quebrar o encanto, pois a energia
que me envolvia era de extrema delicadeza e restaurava a paz em meu ser.
Faz tempo eu sei que não existe engano, que se
você aqui está, é porque eu estou nos seus planos, pois vai ser chegado o
momento de me levar cuidadosa para o aconchego do seu colo, para depois secar o
meu pranto, tirar minha dor e cicatrizar-me as feridas. Sei também que esse aconchego não será para
todo o sempre, pois logo deverei retornar ao caminho, pois ainda é longa a
jornada em busca do meu destino.
Faz tempo percebo a sua presença e é bom saber que
é uma mulher, e confesso-lhe: não lhe tenho medo! Apenas uma paciente espera,
pois sei que o que me reserva, tem cheiro e gosto da aurora de uma nova
iniciação.
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