quarta-feira, 15 de outubro de 2014

LADY DAY

    NALDOVELHO

    Na parede do meu quarto
    pintei uma imensa e luminosa janela
    e nela, uma enorme lua nublada
    para que toda sexta-feira,
    um pouco antes da meia-noite,
    ela possa invadir meu quarto
    e assim aconchegados possamos dançar.
    Uma garrafa de uísque, um balde de gelo,
    eu pessoalmente prefiro um conhaque,
    um maço de cigarros, e na vitrola,
    sempre a mesma música: Tenderly!
    Lady Day gosta de caminhar 
    e cantarolar nua pelo meu quarto,
    adora ler meus poemas,
    e diz não entender o porquê
    de tanta angustia e nostalgia
    nas coisas que eu costumo escrever.

    Outro dia ela me disse
    que a poesia que eu faço
    é filha bastarda do jazz!
    É! Acho que ela tem razão.
    No fundo, no fundo,
    a minha poesia para ser boa
    tem que ser meio maldita,
    coisa esquisita que sangre
    pelas pontas dos dedos,
    hemorragia disfarçada em palavras,
    que é para ninguém poder ver.

    Lá pelas tantas, quase madrugada,
    ela sussurra em meus ouvidos
    um blues visceralmente ardido
    e com um sorriso amargo nos lábios,
    se despede e pergunta: até quando?
    E eu lhe respondo:
    enquanto houver poemas para escrever.

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