segunda-feira, 22 de junho de 2015

O MEU JEITO DE ORAR

    NALDOVELHO

    Passarinho no parapeito da janela
    olha para dentro do meu quarto:
    entardece, cama desarrumada,
    folhas de papel pelo chão espalhadas
    e um poema ainda não escrito
    circula impunemente pelo ar.

    O quarto todo respira querências,
    as palavras transpiram urgências,
    mas o poeta permanece em silêncio,
    se aproxima calmamente da janela
    e pergunta ao passarinho
    se ele quer conversar.
    Passarinho diz que não!
    pois dentro em pouco anoitece
    e ele tem que voltar para o seu lar.

    Já passam das seis, lá fora anoitece,
    aqui dentro o poema faz um prece,
    e o jeito dele de provocar o poeta
    que há tempos não consegue mais rezar.

    Na vitrola, num antigo disco de vinil,
    Shirley Horn inspira o poeta,
    sussurra em meus ouvidos,
    palavras, significados, gemidos,
    e o poema cada vez mais presente.

    Agora, luz da lua invade o meu quarto,
    mês de junho, final de outono,
    palavras nostálgicas, encadeadas,
    conversa travada entre o poema e o homem.

    Talvez este seja o meu jeito de  orar.

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