segunda-feira, 21 de abril de 2014

ANOITECER - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


NALDOVELHO

E o dia passa rapidamente nas teclas do meu computador. Palavras, crônicas, prosas, pequenos contos e em sua maioria, poemas. E tudo isto banhado com boa música, pelo menos eu acho! Quanto aos poemas, nem sei se são bons, mas isto cabe a vocês.

Já perto das seis de um entardecer friorento, fecho os olhos e recordo de Julio Louzada em sua oração. Vovó Alice concentrada, todos reunidos em volta de uma mesa de madeira redonda forrada de linho branco, uma jarra de cristal com água até a boca, pequenos cálices, lisos, também cristalinos, toda uma aura de amor e suavidade, Ave Maria cheia de graça e eu a pedir perdão pelos meus pobres e pequenos pecados, a pedir a cura do vizinho do lado... Inevitável desviar o olhar para as coxas da priminha! Porra, pequei outra vez, ainda bem que vovó nem notou. Bebo a água compenetrado e me sinto absolvido, saio pelas ruas a dobrar todas as esquinas, a pular cercas e muros, a deitar em camas erradas, a beber muita aguardente, e ao tropeçar num enorme baseado quase perco o rumo, mas você se aproximou, me deu a mão e me trouxe de volta. Pena que assim de repente, você teve que ir embora e nunca mais voltou. Abro os olhos e retorno aos dias de hoje, sessenta e tantos anos, povoados de desenganos, e me vejo orando de novo, pedindo absolvição pelos pecados... Só eu e Maria sabemos o quanto eu errei!

Na igreja lá perto de casa, já não se toca mais os sinos para a missa das seis e o autofalante jaz emudecido, dizem que por conta dos traficantes que odeiam a imagem da Santa e não gostam de música sacra, preferem o funk. Muita coisa mudou, hoje até chutam a imagem de Maria, e a vizinha do lado afirma que o padre prevarica com uma sua comadre, e pega dinheiro da sacristia para dar para as menininhas da comunidade que existe lá por perto, sabe-se lá porque paga... Esta mulher tem uma língua, Deus meu que horror! Ainda bem que não são todos, ainda existem aqueles... Assim como nem todos chutam a Santa e existem comunidades, pelo que dizem, pacificadas, só que do outro lado da “poça d’água”, coisa feita para a Copa do Mundo, e que deve durar até a Olimpíada, depois sei de gente que afirma, piora tudo outra vez.

Já são quase oito horas, agora chove de novo, e ao longe escuto estampidos, vários, disparos de armas pesadas, afinal eu moro do lado de cá, mas as autoridades negam, dizem que isto não existe e que a cidade está uma beleza... Será que eu mudei para a Síria e não sei? Eu só sei que hoje eu sinto medo das minhas ruas desertas, de dobrar as muitas esquinas, do sereno da madrugada, pois estas coisas vêm sempre acompanhadas de muita violência e opressão.

Agora, já passam das dez. As ruas estão sombrias, molhadas e silenciosas. Da janela do meu quarto eu percebo sombras por trás de muitas outras janelas. Meu povo está sitiado, enclausurado em suas casas, ou no alto dos edifícios, sendo devorado pelas televisões, escravizado as novelas, ou então ao computador, em conversas com alguém que mora longe de qualquer possibilidade e que provavelmente também solitariamente, tem medo de muitas coisas, fica remoendo suas lembranças, lamentando escolhas erradas, talvez por isto, a profusão de poetas, gente que não tem nada mais o que fazer e morre de medo de morrer.

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