quarta-feira, 27 de junho de 2018

A INEVITÁVEL DOR DA SOLIDÃO


    NALDOVELHO

    Eu percebo um ar de delicadeza
    nos amanheceres friorentos de julho,
    meu coração enroscado em cobertas,
    lá fora uma névoa fina e fria,
    aqui dentro uma preguiça danada,
    a janela ligeiramente entreaberta,
    um vento macio, quase uma aragem,
    e o sol num bocejo a me dizer: bom dia!

    Eu percebo um ar de sutileza
    no café passado sem pressa,
    a mesa posta e a certeza
    do carinho molhado de orvalho,
    você prometeu que vinha,
    chegou bem cedo e a tempo
    de ver em meus olhos a saudade.

    Eu percebo um ar de cumplicidade
    na fumaça dos cigarros compartilhados,
    no sorriso que eu colho em seu rosto,
    na poesia que brota do seu cheiro,
    que permanece mesmo depois
    que você vai embora,
    e fica assim impregnado
    por todos os cantos e lados,
    principalmente nos travesseiros.

    Eu percebo certa leveza
    nos entardeceres passados ao seu lado,
    música suave, vinho tinto e rascante,
    o seu: ligeiramente doce e inebriante;
    na mistura de suores, odores,
    salivas trocadas, momentos sagrados,
    no adormecer e no acordar
    ao seu corpo aninhado,
    ainda que eu saiba que depois
    você irá viajar para bem longe,
    deixando travesseiros e lençóis molhados,
    a nostalgia própria de um passado,
    e a inevitável dor da solidão.


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