domingo, 28 de dezembro de 2014

MINHA CASA

   NALDOVELHO

   E a casa toda transpirava setembro
   de jardineiras desavergonhadamente felizes,
   de algazarra de pássaros no parapeito da janela,
   e até os colibris, normalmente arredios,
   voavam alegremente em torno de mim.
   Só eu continuava outono de cultivar desenganos,
   de não saber direito onde havia colocado as chaves
   de fechar portas e gavetas que já faz um bom tempo
   insistiam em permanecer abertas dentro de mim.

   E da casa toda gotejavam poemas
   de desvendar segredos, mistérios,
   de dissolver calmarias e tédios,
   de crianças a correr pelo quintal,
   de notícias alvissareiras estampadas no jornal,
   de carinho, ternura e aconchego,
   de cheiro de café bem forte coado sem medo
   a espantar a preguiça e o desassossego,
   de frutos maduros nunca antes consumidos,
   mas que hoje do alto dos meus
   lá vão sessenta e muitos anos,
   eu colho e como, sem ter vergonha
   de me sentir feliz.

   E a casa toda cheirando a jasmim,
   magia, poesia, paixão,
   coisas que eu nunca quis abrir mão,
   e que vão continuar assim
   até que um dia chegue o meu fim.

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