quinta-feira, 31 de maio de 2018

ÚLTIMO DIA DE MAIO


    NALDOVELHO

    Hoje, logo depois do anoitecer,
    lua cheia pousou no meu quintal.
    E ficou lá por um bom tempo;
    segundo ela: assuntos pendentes,
    e também uma boa dose de saudade.
    Fiquei até emocionado!
    Imaginem a lua com saudade do poeta...
    Meus olhos ficaram marejados,
    minha pele toda arrepiada,
    por saber que por mim ela nutria
    tanto bem querer.
    Perguntou-me, então, o porquê
    de eu recusar o poema,
    ralhou comigo fingindo-se aborrecida,
    disse que eu não poderia parar de escrever,
    pois eu não era o dono das minhas verdades,
    nem da magia que eu trazia comigo
    e que o meu compromisso com a poesia
    era o que de mais sagrado poderia haver.
    Teve uma hora que eu fiquei até assustado,
    pois de canto de olho eu vi
    São Jorge de lança em punho
    e o dragão a me olhar de soslaio...
    Pensei até que ele fosse me comer!
    Mas não! Lua cheia disse
    que era só eu tomar tenência,
    pois muito havia ainda o que escrever.
    Depois de um tempo,
    ela sussurrou em meus ouvidos
    coisas que só um apaixonado
    conseguiria entender.
    Acariciou meus cabelos,
    beijou minha boca, e partiu.
    Agora ela está lá em cima no céu
    iluminando toda a cidade
    e eu aqui em meu quarto,
    último dia de maio,
    quase dez horas da noite:
    não faço mais nada
    além de obedecer.

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