sábado, 28 de novembro de 2015

SOLIDÃO

    NALDOVELHO

    É no osso do desgosto
    que a solidão faz seu porto,
    é no café amargo
    acompanhado de um cigarro,
    é num entardecer chuvoso de inverno,
    dose reforçada de conhaque
    para esquentar o coração
    e o dia agoniza enquanto anoitece,
    ao longe um bolero faz uma prece,
    noite que chega sorrateira
    e deposita saudades em minhas mãos.

    É no osso do desgosto
    que a solidão faz seu porto,
    é no atritar lento das horas
    que a noite nos chama lá fora,
    diz que é moça bonita,
    cheia de carinhos e prendas,
    orvalho, saliva, pecados,
    e que na cidade onde ela vive
    é impossível não se perder.
    Mas ela nem sabe o meu nome,
    só sabe dos meus desatinos,
    garrafa inteira de absinto,
    mais uma noite sem você.

domingo, 15 de novembro de 2015

PAIXÃO DE POETA

    NALDOVELHO

    E a vida passou enfeitada,
    vestido rodado, decote ousado,
    sorriso bonito de quem sabe
    das procuras, dos caminhos
    e do que eles têm para nos ofertar.

    E então ela me envolveu em seus braços,
    beijou minha boca, acariciou meus cabelos,
    sussurrou em meus ouvidos
    sagrados segredos de permanências,
    e como um tolo eu acreditei
    que com ela poderia ficar.

    Depois, me ensinou a escrever poemas,
    mostrou caminhos de desentranhamentos,
    revelou os mistérios das sementes,
    fez com que eu me apaixonasse mil vezes,
    e com dó de mim, me ensinou a chorar.  

    Outro dia a vida me olhou entristecida,
    disse que tudo tinha seu tempo certo
    e que eu estava ficando envelhecido,
    e que no crepúsculo dos meus dias
    ela teria que me abandonar.

    Eu sorri e respondi: tudo bem!
    pois como todo bom poeta
    eu hoje já sabia voar,
    e que há tempos eu estava
    apaixonado pela existência
    e ela havia me ensinado a ficar.


quarta-feira, 11 de novembro de 2015

TEMPO MALVADO

    NALDOVELHO

    Eu sei de um tempo
    que passou apressado,
    revirou todos os meus guardados,
    deixou pelo chão do quarto, espalhados,
    meus retratos, recortes, cartas, bilhetes,
    cama desarrumada,
    lençóis, fronhas e travesseiros umedecidos,
    sangue, suor, saliva, solidão.

    Eu sei de um tempo
    que passou apressado,
    e deixou em meu corpo marcas evidentes,
    feridas, ainda não cicatrizadas,
    outras teimosamente latentes,
    restos, resíduos, refugos,
    entulhos deixados em minhas veias,
    no dia a dia da minha desconstrução.

    Eu sei de um tempo malvado,
    apesar da sabedoria da lapidação.


domingo, 8 de novembro de 2015

O SILÊNCIO DE OUTRORA

    NALDOVELHO

    O silêncio de outrora, o mês de outubro,
    um punhado de livros pelo chão espalhados,
    palavras desconexas na garganta engasgadas,
    versos sem sentido, folhas de papel amassadas.

    Uma xícara de café passado bem forte,
    uma cigarrilha entre os dedos, vício antigo,
    a cidade entardece, já são quase seis horas
    e ao olhar pela janela percebo as ruas
    através de vidraças de suor e saudade,
    águas incertas, nebulosidades.

    No fim da minha rua uma estação,
    por lá pessoas chegam ou partem,
    nenhum gesto de adeus, nenhuma lágrima
    e em suas bagagens encontros e desencontros,
    solidão, nostalgia, esperança, estiagem!

    E o silêncio de outrora em meus ouvidos,
    mês de outubro, tarde noite chuvosa,
    e aqui em meu quarto, fantasmas...

sábado, 7 de novembro de 2015

A LUZ DAS SUAS ÁGUAS

    NALDOVELHO

    Não preciso de muito,
    me basta um copo de delicadeza.
    e ainda que eu não escute a sua voz,
    eu percebo o seu sorriso,
    seu olhar carinhoso,
    seus gestos precisos.

    Não precisa se preocupar,
    apesar da distância,
    eu sei do seu amor para comigo,
    sei que me deseja o melhor abrigo,
    e que por mim você tece sempre
    um novo amanhecer.

    Seja como for, esteja certa,
    de que eu estarei eternamente na estrada...
    Melhor que assim seja,
    pois sou ótimo em colher
    as verdades que você semeia,
    ainda que eu só consiga
    me alimentar delas muito depois.

    Enquanto isto permita
    que eu lave o rosto em sua luz,
    que mate minha sede,
    que banhe o meu corpo,
    que adormeça abraçado às suas águas
    e acorde renovado na crença que me conduz.