segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A JURITI E O GAVIÃO

      NALDOVELHO

      E eu soube de um tempo
      que juriti gemedeira
      espalhava seu lamento,
      por conta de um romance,
      coisa mal resolvida,
      entre ela e um gavião.

      Do alto de uma árvore
      coruja cantadeira
      gostava de contar esta história
      que causava em nós o arrepio,
      lágrimas de lua cheia,
      juras de amor quebradas, estio.

      Desde então, bandos de juritis
      em luta com os gaviões
      numa triste história
      de amor, desamor e lamento...
      Nunca mais houve paz entre eles,
      amor bandido, sentimento sofrido, dor.

      Dizem que o culpado foi corrupião
      que invejoso do amor que existia
      intrigou gavião com a pobre da juriti,
      e inventou tantas safadezas
      que juriti reuniu seu bando
      e expulsou da tapera o gavião.

      Coruja cantadeira
      quando conta esta história
      fica com lágrimas nos olhos.
      Hoje, natureza do gavião é caçar juriti,
      e corrupião, vaidoso na floresta,
      afirma que tinha de ser assim.

    
     

domingo, 4 de setembro de 2016

TANGO INDECENTE

    NALDOVELHO

    Tem um tango indecente
    atormentando em minha mente,
    um corpo de mulher
    alucinando minhas horas,
    uma casa em penumbra
    assombrando meus dias.

    Tem um vidro de perfume
    entornado no colchão,
    uma cigarrilha cubana,
    uma janela entreaberta,
    uma lua derramada,
    uma dor no coração.

    Tem um cheiro forte
    de fera se contorcendo no cio,
    tem um incêndio estranho
    a devorar meu quarto
    e eu assim rastilho de pólvora
    entregue a inevitável explosão.

    E em minhas veias o veneno,
    mistura de saliva e lua derramada,
    um quê de quero não quero
    mais um cálice de absinto
    e este maldito tango,
    minhas pernas, nem sei onde estão.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

SOLIDÃO

    NALDOVELHO

    Mais parecia arrepio,
    sangue, suor, saliva, animal no cio,
    poema de amor e dor escrito pouco a pouco,
    palavras maceradas por um louco,
    alguém assim meio pedra meio rio,
    que desconhecia o sentido da palavra estio,
    que enfeitiçado se atirava num precipício,
    e eu sabia que seria assim desde o início.

    Mais parecia delírio,
    entrelaçadas histórias, embaralhados os fios,
    feito um sonho que raramente acontece,
    e o pecador que eu era ajoelhado numa prece;
    até hoje busco curar minha nostalgia,
    assim meio lágrima, um tanto ou quanto poesia,
    saudade que me encharca por dentro,
    e eu deste jeito já faz um tempo.

    Mais parecia magia,
    cantiga tristonha, elegia,
    pois só eu sei o quanto doeu o feitiço,
    e não há como acabar com isto,
    e assim vou eu, meio poeta meio escombro,
    de joelhos a lamentar meus tombos,
    que embriagado de amor fatiou seu coração,
    e prisioneiro do seu umbigo se entregou a solidão.    


EM BUSCA DE UM POEMA

    NALDOVELHO


    Eu caminho faz tempo
    em busca de um poema
    que eu nem sei bem o porquê
    corrói minhas entranhas
    e me faz trilhar caminhos
    de nostalgia e clausura,
    aprisionado que estou
    à solidão da minha loucura.

    E a cada trecho desta caminhada
    eu percebo palavras cristalizadas,
    algumas como farpas espetadas,
    outras, apenas depositadas
    na margem esquerda de um rio
    que corre dentro de mim.
    Vontade de ir nem sei bem pra onde,
    e com a estranha sensação
    de que o meu tempo passou
    e eu não vi.

    Eu caminho faz tempo
    em busca de um poema
    que eu nem sei bem
    por conta de quê assola meus dias...
    E a cada amanhecer eu colho
    emoções trazidas pelo vento,
    umas, soam como mensagens de amor,
    obrigação de não entregar os pontos;
    outras, poesia que me enche de alento,
    apesar do desencanto e do desamor.