sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

POEMA PANELA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Certas palavras para serem plenas
   precisam transpirar significados
   para espalhar pelo ar seu odor.

   Outro dia segurei em minhas mãos
   a palavra panela
   e a examinei em detalhes,
   e ela em silêncio nada me revelou.

   Mas aí outra pessoa
   pôs dentro dela palavras alimento,
   adicionou sal a gosto,
   misturou com a palavra condimentos,
   acendeu o fogo, e lentamente as cozinhou.

   Depois de algum tempo
   o ar era dominado em sua plenitude
   e um delicioso cheiro nos relevou
   versos de incrível sabor.

   Há poemas que, apesar de poeta,
   eu não saberia escrever!

sábado, 21 de dezembro de 2013

EU QUASE NADA SEI - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Eu quase nada sei sobre o amor,
   apesar de tudo!
   Eu quase nada sei sobre a dor,
   apesar de tanta!
   E ainda que muitas,
   minhas lágrimas não cicatrizaram feridas,
   e em meus olhos permanece o espanto,
   e em meus lábios um sorriso frouxo.

   Eu quase nada sei sobre a vida,
   apesar de tudo!
   Eu quase nada sei sobre a perda,
   apesar de tantas!
   E ainda que muitos,
   meus enganos não destruíram planos,
   e em meu coração sobrevive o arrepio,
   pois na verdade ainda sinto frio.

   Eu quase nada sei sobre mim mesmo,
   apesar de tudo!
   Eu quase nada sei sobre os caminhos,
   aqueles de se viajar por dentro!
   E ainda que muitos,
   poemas não exorcizam medos,
   e eu vivo preso num emaranhado de sonhos,
   a maioria deles eu cultivo em segredo.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

REFLEXÕES DE UM POETA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

NALDOVELHO

Tenho a impressão que no aspecto religiosidade, eu até estou bem situado!

Os materialistas acham que eu não passo de um crédulo, um ignorante sonhador e visionário, sem a menor noção da crua realidade que nos cerca.

Os espíritas afirmam que eu sou um pobre sofredor que precisa de muita evangelização e que após a minha passagem desta para a outra, vou ter que penar muito nos Umbrais até poder ascender a uma nova chance em busca da minha redenção.

Os católicos me veem como um herege, que só Deus em sua infinita misericórdia poderia me dar o Seu perdão.

Os evangélicos têm a firme convicção de que eu vou arder no fogo do inferno sem a menor chance de absolvição. A menos, é claro que aceite Cristo em meu coração, poste meus joelhos no chão, pague os dízimos e passe a viver em oração conforme manda o Novo Testamento.

Os seguidores da Umbanda e do Candomblé, penalizados, dizem que eu não passo de um rebelde que durante toda a vida se recusou a se desenvolver na prática da mediunidade e que por isto ainda vou ter que penar muito antes de conseguir ver a luz de Aruanda.

Os mulçumanos afiam suas espadas, sonhando com a minha cabeça cortada já que eu não passo de um cão infiel.

Os budistas, estes em sua postura zen, nunca me disseram nada, apenas observam e acreditam que um dia, após muitas e muitas reencarnações, eu certamente encontrarei o meu caminho e iluminação.

E Deus? Será que ele concorda com esse povo todo. Ou será que Ele sorri diante disso tudo e apenas diz: que eu não passo de um poeta, e por isto é preciso ter muita paciência e compreensão.

Eu? Cada dia que passa, sei menos... Mal consigo compreender a mim mesmo, portanto, muita pretensão seria dizer que sou um sabedor da verdade e dos mistérios da Criação.

Então, um passo de cada vez, e não percam tempo em tentar me mostrar seus caminhos, pois Ele me fez inquieto, confuso e insurreto, e deve ter tido para isto, uma boa razão.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

ESTE MALDITO BOLERO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   A loucura, o suor, suas sardas,
   seus seios abusados provocam  
   o arrepio que assola minha pele,
   as dobras, suores, assombros,
   sua boca a extrair do meu corpo
   um orgasmo convulsivo, nervoso,
   sou fantasma aprisionado em seu cio
   e na poesia de um encontro obsceno,
   no seu cheiro misturado ao meu cheiro,
   em nossas pernas trôpegas e embaraçadas,
   num vai e vem cada vez mais apressado
   desta coisa ardida de um quero não quero,
   e eu ainda escuto este maldito bolero,
   e me lembro de última dança,
   e por mais que eu disfarce fico excitado,
   madrugada de setembro em segredo,
   sentimentos escondidos no armário,
   seus retratos, cartas, poemas,
   vez por outra ainda pego e choro
   a saudade que eu sinto de você.


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

TODA A VEZ - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Toda a vez que uma porta se abre,
   uma outra atrás de nós se fecha
   e o que por lá existia,
   passa a viver nas lembranças,
   não dá para voltar atrás.

   Toda a vez que a luz do sol acontece,
   a lua se recolhe numa prece,
   pede proteção para os seus filhos,
   pois é mais raro a cada dia
   encontrar pessoas que cultivem a Paz.

   Toda a vez que pássaros invadem a sala
   a casa fica numa algazarra danada,
   conversa sagrada de anjos
   que trazem notícias dos longes,
   umas alvissareiras, outras tristes demais.

   Toda a vez que caminho pelas ruas,
   percebo um mundo de incoerências,
   pessoas anestesiadas por dentro,
   mal sabem disfarçar o sofrimento,
   na verdade, desesperançadas demais.

   Toda a vez que uma porta se fecha,
   sem que percebamos, outras se abrem,
   e a velha senhora a entrelaçar enredos
   estabelece um mundo de possibilidades,
   umas alvissareiras, outras tristes demais.

domingo, 8 de dezembro de 2013

NA BEIRA DO DESPENHADEIRO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

    Na beira do despenhadeiro
    crianças brincam de roda,
    mulheres amamentam seus filhos,
    homens constroem abrigos,
    fantasmas nos tiram o sossego,
    personagens escondem seus medos
    e o tempo é o nosso carcereiro.

    Na beira do despenhadeiro
    românticos escrevem poemas,
    filósofos desfiam novelos,
    bordados, mandalas, enredos,
    espinhos sangram as flores
    e o eremita que a tudo observa,
    desfaz toda a trama e sorri.

    Na beira do despenhadeiro
    muitas passagens, descobertas,
    algumas povoadas de sonhos,
    outras, pesadelos tamanhos
    e aquela senhora em seu terço
    chora a morte do seu filho,
    caminhos de ir e de vir. 

sábado, 7 de dezembro de 2013

SE EU QUISESSE TER SIDO UM SANTO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Se eu quisesse ter sido um santo,
   teria rezado mil novenas,
   jejuado dias e noites,
   caminhado debaixo de açoite,
   seria isento de pecados,
   não teria blasfemado tanto,
   teria nascido com asas
   e saberia a hora certa
   de semear e de colher.

   Se eu quisesse ter sido um santo,
   não precisaria morrer mil vezes,
   saberia palavras de anjo,
   conheceria os segredos das águas,
   seria íntimo das pedras,
   construiria caminhos de sonho,
   não viveria soterrado em escombros,
   pois de naufrágio em naufrágio,
   virei um mestre na arte de me perder.

   Se eu quisesse ter sido um santo,
   sentaria com Deus em Sua mesa,
   teria na fé o amparo e a certeza,
   não teria nascido homem,
   tão pouco seria um poeta
   que adora se equilibrar no meio fio,
   que não raro tropeça e cai,
   e aí, pragueja contra o Pai,
   mas no fundo sabe que fez por merecer.

   Se eu quisesse ter sido um santo,
   não saberia como fazer!

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

É TEMPO DE SE FAZER POESIA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Já faz um bom tempo,
   numa praia deserta,
   num por de sol em tons de dourado,
   um poeta nos braços de sua amada,
   emocionado dizia:
   lindo este entardecer,
   merece até um poema!
   E ela, com um sorriso suave
   lhe respondia:
   não é hora de escrever poemas meu amor,
   é tempo de se fazer poesia.

   Ela nunca me disse isto,
   mas eu sonhei que dizia!

domingo, 1 de dezembro de 2013

EM TUAS TEIAS - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Não falo de um amor pleno, meloso,
   untado de ternura, prestimoso!
   Falo de um amor estilhaçado, 
   com espelhos e vidraças quebradas,
   garrafa de conhaque pra baixo da metade,
   ou então de embriaguez consentida
   por vinho doce derramado pelo corpo
   e a língua a demonstrar perícia e esforço
   na faina de te provocar um orgasmo,
   um que seja desesperado e convulsivo,
   com tuas pernas a apertar meu pescoço
   aprisionado por tanto e dolorido prazer.

   Não falo de um amor bem comportado,
   coisa suave e aveludada!
   Falo de corpos suados, asperezas,
   janelas entreabertas em noites incertas,
   sentimento ardido de coisa mal resolvida,
   e um trompete insidioso e profano,
   com lágrimas escondidas por conta de desenganos,
   saudade, nostalgia, despedida,
   e o teu cheiro impregnado em minhas cobertas,
   e aqui dentro de mim acontece um estrago,
   e como um louco a vagar por entre escombros,
   eu teimo em não te esquecer.

   Não falo de um amor subalterno,
   coisa mansa de sentimento puro e etéreo!
   Falo de tuas presas em meu pescoço,
   de garras em minhas costas cravadas,
   e em minhas veias a circular teu veneno,
   e a tua boca a me devorar por inteiro,
   e eu, assim como caça abatida entre os dentes
   com minhas pernas embaralhadas as tuas,
   já nem sei dar conta do tempo,
   só sei que não mais importa o mundo lá fora,
   pois não há como sair daqui, ir embora,
   preso em tuas teias só me resta morrer.