terça-feira, 23 de setembro de 2014

SOBRAS DA DEMOLIÇÃO

    NALDOVELHO

    No lugar onde residem minhas memórias
    caminham de um lado para o outro
    um batalhão de soldadinhos de chumbo,
    um palhacinho tocando bumbo,
    uma mocinha prendada com o peitinho de fora,
    já nem lembro o nome dela, mas isto não importa agora,
    um gato safado, o nome dele era veludo,
    um menino franzino que tinha medo do escuro,
    o babaca do garoto que roubou meu carrinho de rolimã.

    Num canto da casa onde residem minhas memórias,
    um trenzinho sem trilhos, um pote de bolas de gude,
    revista de mulher nua, perdi minha virtude,
    uma montanha de livros, já lidos e relidos,
    uma cortina rasgada, tecido puído,
    várias promessas, parte delas quebradas,
    muitos desenganos, farpas espetadas,
    retratos amarelados, uma tapeçaria inacabada,
    uma paixão de criança, namoradinha de portão.

    Na zona onde residem minhas memórias,
    ruas e esquinas de uma cidade deserta,
    uma porta fechada, uma janela entreaberta,
    um beijo molhado, um reinado sem trono,
    sentimentos estranhos, histórias sem dono,
    uma lua cheia enlouquecida, cicatriz ardida,
    foram dias e noites a lamber as feridas,
    escrevi vários livros, madrugadas de outono,
    construí uma casa com as sobras da demolição. 

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