domingo, 21 de setembro de 2014

FOI O QUE NOS RESTOU

    NALDOVELHO

    E existiam aqueles retratos,
    terceira gaveta, lado esquerdo do armário,
    e neles você passeava pelas ruas,
    dava comida aos pássaros,
    brincava de amarelinha nas calçadas,
    chegava de repente de viagem,
    entrava abusadamente em meu quarto,
    deitava preguiçosa em minha cama
    e ronronava sob as cobertas,
    manhã cedo, novembro, inda me lembro,
    café da manhã, cigarro compartilhado...
    Quando fotografei estava com você.

    Depois veio o incêndio
    e nele quase tudo se perdeu:
    lençóis, travesseiros, cobertas,
    livros, discos, suas cartas,
    algumas peças de roupa
    que você por lá deixou,
    muitas verdades não reveladas,
    segredos que você guardou.
    Seu cheiro também se queimou,
    ou então se perdeu
    misturado ao cheiro da fumaça
    que tomou conta da casa.

    Vez por outra ainda passo por lá,
    casa abandonada, em escombros,
    entulho para todo o lado,
    e os restos de um armário,
    terceira gaveta, lado esquerdo do peito,
    vazia...

    Foi o que nos restou!

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