segunda-feira, 21 de abril de 2014

INSÔNIA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


NALDOVELHO

Zero hora na cidade e a fumaça de um cigarro põe as coisas no lugar. A janela entreaberta faz com que o frio desta noite me envolva e acaricie, e traz vontade de um conhaque levemente aquecido, e Chet Baker num sussurro diz que a saudade é uma mortalha que os poetas teimam em usar.

A porta do quarto, sem o menor aviso, dá passagem ao seu vulto. Se fechada ou aberta, não importa! É névoa fina, é assombro, e no limite da loucura os contornos do seu corpo deixam um cheiro de alfazema que toma conta do lugar. Num sorriso ensimesmado percebo que a danada da nostalgia dita normas, causa arrepios, traz você para mais uma dança, minha insônia, meu delírio, poema escrito por horas e horas de puro desassossego, cheiro de terra molhada, vontade de mergulhar neste sonho ou quem sabe nesta miragem e nunca mais acordar.

Mas a madrugada, sem alarde, chega às ruas da cidade, percebe o meu martírio, e diz que já é hora, que mesmo que seja tarde, ainda é cedo, e que a luz do sol lhe contou um monte de segredos, entre eles que nesta casa assobradada mora um poeta, que teima em dormir com a janela aberta, que é viciado em bebidas que causem gasturas e que gosta de ficar abraçado à insônia que a dor de um amor perdido costuma provocar. Vai até a minha cozinha, prepara um café bem forte, convida renda portuguesa e azaleia, convoca para o parapeito da janela um bando de pássaros que fazem uma algazarra danada e espantam aquela névoa sombria e atraem o poeta para apreciar o nascer de um novo dia, saborear um café quente e encorpado, quem sabe até uma boa cigarrilha cubana, pois a esta hora os fantasma dormem a sono solto e é hora de recomeçar.                 



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