Zero hora na cidade e
a fumaça de um cigarro põe as coisas no lugar. A janela entreaberta faz com que
o frio desta noite me envolva e acaricie, e traz vontade de um conhaque
levemente aquecido, e Chet Baker num sussurro diz que a saudade é uma mortalha
que os poetas teimam em usar.
A porta do quarto,
sem o menor aviso, dá passagem ao seu vulto. Se fechada ou aberta, não importa!
É névoa fina, é assombro, e no limite da loucura os contornos do seu corpo
deixam um cheiro de alfazema que toma conta do lugar. Num sorriso ensimesmado
percebo que a danada da nostalgia dita normas, causa arrepios, traz você para
mais uma dança, minha insônia, meu delírio, poema escrito por horas e horas de
puro desassossego, cheiro de terra molhada, vontade de mergulhar neste sonho ou
quem sabe nesta miragem e nunca mais acordar.
Mas a madrugada, sem
alarde, chega às ruas da cidade, percebe o meu martírio, e diz que já é hora,
que mesmo que seja tarde, ainda é cedo, e que a luz do sol lhe contou um monte
de segredos, entre eles que nesta casa assobradada mora um poeta, que teima em
dormir com a janela aberta, que é viciado em bebidas que causem gasturas e que
gosta de ficar abraçado à insônia que a dor de um amor perdido costuma
provocar. Vai até a minha cozinha, prepara um café bem forte, convida renda
portuguesa e azaleia, convoca para o parapeito da janela um bando de pássaros
que fazem uma algazarra danada e espantam aquela névoa sombria e atraem o poeta
para apreciar o nascer de um novo dia, saborear um café quente e encorpado,
quem sabe até uma boa cigarrilha cubana, pois a esta hora os fantasma dormem a
sono solto e é hora de recomeçar.
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