NALDOVELHO
Manhã bem cedo,
escancaro a janela, café quente e encorpado, cama desarrumada, travesseiros
pelo chão e eu me ponho a rir sozinho das bobagens de amor que pela vida eu fui
capaz de dizer no calor da paixão. Olho para o espelho e a única coisa que
consigo perceber é o silêncio de uma superfície fria e opaca, nada de novo nas
horas, só a nostalgia no ar.
Enxugo o rosto
molhado pela chuva fina que me invade o quarto, e um vento frio me traz
assombro e diz que a solidão é coisa pouca, você foi embora faz tempo, mas
deixou marcas por toda a casa, seu perfume, algumas peças de roupa e só de
sacanagem, uma calcinha e um sutiã.
Já são quase oito
horas, lá fora já não chove, e um sol amarelinho esboça um sorriso, e as
pessoas que passam não percebem a minha presença nublada na sacada, o meu olhar
bisbilhoteiro, a minha necessidade de descobrir histórias, dramas, suas
vontades, suas paixões.
Por lá, converso com
as plantas para espantar a solidão, troco confidências com azaleia e renda
portuguesa ri da minha ingenuidade, e afirma:
- Ela é igual ao teu
espelho, nem tudo que diz é digno de crédito, muita coisa ela inventa só para
te agradar.
E eu bem sei, que muito
do que me é dito, o é apenas pela vontade que ela tem de que eu abra portas,
desmanche teias, espante fantasmas, desconstrua minha loucura e apazigue meu
coração.
Volto para o quarto e
percebo ranhuras na parede, aquela, em frente ao espelho... Tento descobrir por
ali significados, talvez versos de um poema que a casa desesperadamente tenta
deixar registrados. Meus olhos inquietos buscam palavras, metáforas, coisas que
aconteceram muito antes de nos dois. Vida de escritor é uma merda! Passo dias e
dias a procura de uma chave, de um tema, de um som.
Caminho pela casa,
atravesso a sala, abro a porta de entrada e vou até a varanda. Por lá um
cachorro de louça vigia a porta, traz firmeza, espalha suavidade. Perto de um
caramanchão no jardim, uma pequena fonte, por incrível que pareça, traz um
pouco de lucidez ao ambiente e rosas trepadeiras mostram o quão belas, apesar
dos espinhos, elas podem ser. A vida tem prazeres que ninguém deveria ter que
abrir mão!
Já são dez horas,
mais um café para atiçar o dia, e a lembrança de uma boa cigarrilha ainda
atormenta a minha mente, que fervilha de ideias, tantas histórias, mas nenhuma
com final feliz. Por estranho que possa parecer, o povo gosta mesmo é de um bom
drama!
O livro de contos já
está quase pronto, a tapeçaria também! Sua calcinha e o seu sutiã, guardados
onde só eu possa ver. O seu cheiro permanece em meus dedos, o seu olhar
travesso ainda me assombra e quando ando pela casa costumo sentir seu perfume.
Às vezes escuto os seus passos, sua voz, sussurros, indecências... Você não se
emenda!
Acho que só vou me
livrar do seu fantasma no dia em que eu morrer e aí quem sabe eu possa de novo
ter você.
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