segunda-feira, 21 de abril de 2014

FACA AFIADA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

    Novela das sete, novela das oito, 
    faca afiada abre um sulco no rosto 
    da cidade sitiada por omissões e desgostos 
    e lhe expõe as entranhas de forma estranha, 
    revelando a vergonha que reside em nós.

    Revela o pivete, o sinal, a gilete 
    que na palma da mão agride a quem passa 
    e a lata de cola cheirando à esmola, 
    excremento infame de quem nada oferece.

    Revela o lodo, alguns pensam que é sangue, 
    a correr pelas veias, valas negras, sarjetas. 
    Revela o engodo a camuflar todo o nojo, 
    realidade maquiada, novela das sete.

    Revela o ardil, o Ar-15, o fuzil 
    e a bala perdida, mais um que partiu.  
    Revela os ritos, tribais, primitivos, 
    irmandades forjadas a ferro e fogo, feridas, 
    comandos encarcerados a governar nossas vidas.

    Revela a incoerência de que consome e mente, 
     faz questão de vestir o branco da paz, 
     mas depende de um branco pra fazer o que faz.

     Revela a cicatriz talhada em concreto... 
     Linha Vermelha e Amarela, acessos diretos 
     a transformar as pessoas em meros objetos, 
     sombras apressadas e pelo medo, acovardadas.

     Revela um padroeiro que morreu prisioneiro 
     e que até hoje agoniza caçador de si mesmo.

     Faca afiada abre um sulco na carne, 
     dilacera as entranhas e expõe toda a sanha 
     dos que acreditam que o povo é um mero estorvo, 
     que a justiça é um entrave e o traficante um detalhe, 
     e que apesar disso tudo, há sempre um lucro eminente, 
     ainda que ao custo de dores urgentes 
     paridas no ventre de tanta gente inocente, 
     anestesiados que estão, novela das oito, 
     se desligarem a televisão, morrem de inanição.

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