quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

COISAS DE UM AMOR PROIBIDO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Eu cerro as cortinas da noite
   só pra ver estrela da manhã brilhar
   e assim, lembrar dos tempos de estrada,
   das sementes impunemente deixadas,  
   das colheitas, algumas erradas,
   dos tombos, das dores, escombros,
   das trilhas, sabores, amores,
   saudades, enredos, nostalgia,
   nascentes de águas claras, poesia,
   das pedras a direcionar meu caminho,
   dos dias vividos sozinho,
   das lágrimas, madrugadas insones,
   e de repente você deitada ao meu lado,
   palavras sussurradas em meus ouvidos.

   Eu abro as cortinas do dia
   só pra ver lua se recusando a partir,
   e assim lembrar das carícias,
   do café forte e adocicado,
   dos cigarros compartilhados,
   da cumplicidade em nossos guardados,
   do seu perfume derramado em meu quarto,
   das suas sardas, marcas, tatuagens,
   dos retratos, cartas, bilhetes,
   de todas as promessas não cumpridas,
   quarta gaveta, lado esquerdo do peito,
   tudo muito bem escondido,
   coisas de um amor proibido,
   pois só a nós dois interessa
   o poema que ousamos cometer.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

UM NOVO ENREDO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Eu tenho a impressão
   que a noite perdeu o rumo,
   e embaraçada nas teias
   dos seus muitos enredos,
   misturou verdades, mentiras, segredos
   e agora em meio às muitas escolhas
   não sabe mais para onde ir.

   Eu tenho a impressão
   que a noite se asilou em meu quarto
   e assustada por tantos desatinos,
   deitou em meu tapete,
   dormiu assim como dorme uma criança,
   sonhou sonhos de esperança
   e apaziguou seu coração.

   Eu tenho a impressão
   que o dia que nasce em minha porta
   é filho dos desassossegos desta vida,
   órfão da poesia que antes existia,
   e ri debochadamente das noites de lua,
   pois já nasceu viciado em madrugadas iradas,
   em becos sombrios, adrenalinas e medos.

   Eu tenho a impressão que o poeta,
   mesmo exausto, ainda trabalha!
   E abraçado à noite,
   hoje, refugiada em seu quarto,
   tenta traçar novos mapas, descobrir caminhos,
   escrever para a vida um novo enredo,
   na esperança de que alguém possa ler.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

MORRER DE AMOR PELA ÚLTIMA VEZ - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   E se eu pudesse quebrar as vidraças,
   estilhaçar meus espelhos,
   expulsar do quarto as traças,
   jogar fora os relógios,
   rasgar todos os poemas,
   exorcizar meus fantasmas,
   deixar de sentir saudade,
   morrer de amor pela última vez?

   E se eu pudesse falar um monte de bobagens,
   dar gargalhadas indecentes,
   beber de novo tonéis de aguardente,
   fumar um baseado inteiro,
   cometer mais um caminhão de heresias,
   pintar quadros ao invés de escrever poesias,
   andar pelado pelas ruas da cidade,
   morrer de amor na mais tenra idade?

   E se eu pudesse ignorar minhas feridas,
   sorrir a cada ofensa recebida,
   descobrir onde mora a esperança,
   voltar a ser uma ingênua criança,
   tirar você para mais uma dança,
   me ajoelhar aos pés da Virgem Maria,
   confessar os meus pecados,
   cometê-los todos de novo?

   E se eu pudesse morrer de amor pela última vez?
   E se isto me acontecesse na mais tenra idade?
   E se eu pudesse pedir perdão a você?


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

VERDADES, SÍMBOLOS E DELICADEZAS - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


NALDOVELHO

Na parede em frente à janela um enorme espelho onde todos os dias perco um bom tempo tentando me enxergar pela ótica de quem me vê. Não raro percebo coisas estranhas, algumas, não consigo ainda compreender.

No meu escritório um caos contumaz! Um monte de folhas de papel espalhadas, muitos e preciosos livros, já doei quase a metade, e uma quantidade enorme de CDs, tudo muito bem desorganizado! Preguiça danada, diria minha mulher. Acho que ela tem razão!

Em cima da cômoda, ao lado da estante: meus Santos, o Anjo Michael e um velho mago; incensos, velas, minhas guias e meus patuás. Tudo muito bem posto naquilo que consagrei como altar. Numa mesinha no canto do escritório, São Lazaro a tudo observa e paternalmente sorri. Acima de todos, numa prateleira, uma vela acesa, um copo d’água e a imagem de Oxalá.

Numa outra cômoda, terceira gaveta, devidamente catalogadas, repousam todas as minhas verdades, e pelo menos uma vez por semana pego algumas, só para poder contestar.

Vida de poeta que adora fazer careta ao chupar frutas azedas, tirar casquinhas de machucados, escarafunchar pequenas feridas e cutucar unha encravada, só para que a inspiração possa se instalar abusada e assim sem mais nem menos, me assuntar.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

NAQUELA CASA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

    NALDOVELHO

    Naquela casa reina o silêncio,
    portas, estranhamente, fechadas
    e num canto da varanda
    um cachorro distraído
    rói um osso e nem percebe
    a minha presença por aqui.
    A rede vazia, recolhida, entristecida,
    sente falta de nós dois.
    Um vento suave acaricia samambaia,
    um vaso de pálidas begônias
    um tanto ou quanto ressequidas
    e a sensação de ouvir sua voz,
    de escutar seus passos,
    de sentir seus braços,
    o cheiro do seu corpo,
    sua assombração!

    Na lateral da casa,
    onde antes existia uma garagem,
    uma parreira de uvas verdes e azedas.
    Na frente: flamboyant vermelho
    saúda alegremente o verão.

    No portão um aviso:
    mudou-se daqui faz tempo
    e nem endereço deixou.
    E eu nem sei por quê
    fico insistindo
    em voltar por aqui! 

domingo, 19 de janeiro de 2014

RECEITA PARA UMA TARDE DE OUTONO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Garrafa de conhaque,
   cigarrilha cubana,
   café fresco e encorpado
   e de preferência melado,
   muitos discos de jazz,
   ainda os prefiro aos CDs!  
   Também gosto de chorinhos,
   principalmente os chorões.
   MPB é fundamental,
   pena que quase não toquem!
   Nada mais apropriado
   para se comemorar
   uma tarde fria de outono.

   Muitos livros de poesia,
   e porque não, alguns romances.
   Não abro mão de bons filmes...
   CASABLANCA não poderia faltar!
   Toda a vez que assisto,
   tenho vontade de fumar um cigarro,
   e me vejo num entardecer chuvoso,
   lágrimas no canto dos olhos
   e a certeza de não mais te encontrar!

   Folhas de papel sobre a mesa,
   algumas respiram rascunho,
   a maioria ainda em branco
   a caça de palavras, significados,
   pequenas e delicadas histórias
   onde eu possa falar
   das coisas colhidas pelo caminho,
   das sutilezas e das incertezas,
   nostalgia, solidão, inquietude,
   e porque não, um tanto de loucura!   

   Aproveito para ir até a janela,
   e aí percebo calçadas molhadas,
   cidade friorenta e nublada.
   Teu retrato na cabeceira da cama
   parece me dizer: te amo!
   e eu aqui pedindo a Deus
   que possas ser feliz.   

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

FIGOS EM CALDA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO
  
   O mês de julho
   tem o gosto de figos em calda,
   manhãs friorentas de inverno,
   uma lata de creme de leite,
   depois lamber os dedos,
   preguiça de qualquer coisa,
   lá fora uma neblina danada,
   aqui dentro travessuras, segredos,
   seu corpo assim aninhado,
   ternura, poesia, aconchego,
   sua pele, arrepios, risadas,
   vidraça totalmente embaçada,
   nem sei onde larguei minhas pernas,
   nem se tenho algum lugar para ir,
   só sei das cobertas e dos travesseiros,
   o meu está com o seu cheiro
   e eu preciso contar suas sardas,
   vou levar nisto um bom tempo,
   depois examinar aquela tatuagem,
   beija-flor no seu seio esquerdo,
   ele vive falando bobagens,
   quer me causar ciúmes,
   mas ele não sabe de nada,
   pois sou eu que já faz um bom tempo
   fiz pousada em seu coração.

   O mês de julho
   tem cheiro de terra molhada,
   manhãs friorentas de inverno,
   chega mais perto, me abraça,
   vamos ficar por aqui esquecidos,
   pois o mundo que existe lá fora,
   não quer saber de poesia,
   só quer andar apressado
   mas não sabe para aonde vai
   e nem se um dia vai conseguir chegar.




domingo, 12 de janeiro de 2014

UMA CERTA BRISA QUENTE PELO AR - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Eu preciso de uma canção
   que extraia dos meus versos as lágrimas,
   que nem sei por que cargas d’água,
   eu teimo em chorar por lá;
   que tenha uma melodia inusitada,
   que dissipe nuvens sombrias,
   que traga em sua pauta uma chave,
   que abra muitas portas,
   que saúde o fim da clausura,
   que seja candeeiro aceso
   em noite solitária e escura,
   que me restabeleça a paz.

   Eu preciso de uma canção
   que tenha harmonias sagradas,
   que seja abrigo seguro
   e ao mesmo tempo estrada,
   que fale do amor que eu tenho
   e ao mesmo tempo não tenho,
   dos poemas deixados registrados
   nas paredes daquela casa,
   que possa revelar o mistério
   das águas que correm macias,
   que já foram nuvens, já foram chuvas
   e amanhã serão mar.

   Eu preciso de uma canção
   com cheiro de lua cheia,
   que me lembre do primeiro beijo,
   que me cause tremor nas pernas,
   que seja plena em delicadezas:
   seu sorriso, seu olhar, sutilezas;
   que seja molhada de orvalho
   e que faça o tempo correr ao contrário,
   que me faça sentir arrepio
   ao lembrar daquela praia deserta
   naquela noite de novembro
   e de uma certa brisa quente pelo ar.  

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

QUANDO AQUELE DIA MORREU - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Quando aquele dia morreu
   eu abri uma garrafa de vinho
   e brindei zero hora,
   saí mundo afora
   sem promessa nem planos
   e em minhas malas
   pouca roupa, muitos sonhos,
   coisas preciosas, guardados,
   segredos só meus, delicadezas.

   Quando aquele dia morreu
   eu não chorei minhas dores,
   abri a porta, espantei a névoa,
   colei em meu rosto
   um sorriso abusado,
   escrevi poemas
   em homenagem aos meus tombos,
   e a cada ferida curada,
   mais uma garrafa de vinho,
   me embebedei!

   Quando aquele dia morreu
   eu não quis saber de saudades,
   rasguei seus retratos, suas cartas,
   contei para mim mesmo
   um monte de mentiras,
   andei por madrugadas
   banhadas de orvalho,
   amanheci solitário,
   envolto em sutilezas
   e sem ter mais nada a perder.


INTIMIDADES DE UM POETA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


NALDOVELHO

Na beira do abismo a garrafa de conhaque atormenta em minha mente. O cigarro aceso permanece entre os dedos, uma dúzia de rosas, ainda guardo em segredo, a maresia da orla, a ferrugem entre os dedos, um monte de poemas rascunhados na gaveta.

O barulho dos carros, a insônia insistente, madrugada chuvosa. As teclas do piano, ainda gosto de boleros, mas só os cubanos. A reforma da casa continua em meus planos, rasguei tuas cartas, teus retratos, meus sonhos, primavera, novembro, já faz tanto tempo, as notícias nos jornais, a esperança resiste, apesar dos enganos.

Num canto do quarto: samambaia chorona; no outro: renda portuguesa e tem também azaleias e um vaso de avencas. Na estante da sala: discos e livros, e eu nem tenho mais vitrola, e faz tempo não leio, não escrevo mais poemas, doem muito e ainda sangram. Em cima da mesa solidão e a certeza: já não me resta tanto tempo, e a vontade anda fraca. Minhas pernas, hoje, doem, a glicose anda alta, gravei um CD, o livro está guardado, qualquer dia eu mando, só não sei o endereço.

E no fio da navalha, as artérias entupidas, coração anda espremido pela tal da nostalgia, a pele ressecada pelo tempo de espera, e esse trem que não chega, anda sempre atrasado. As malas já estão prontas, vou levando um agasalho, vai que lá faz frio!

Estou deixando um bilhete, quarta gaveta, lado esquerdo da cômoda, aquela do quarto! Deixo também minha saudade, pois só serviu para manter aberta a ferida, inspiração para um monte de bobagens, intimidades de um poeta, que eu nem sei se vão te interessar.













domingo, 5 de janeiro de 2014

O MARTELO E O PREGO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Quando o martelo
   despreza o prego e prefere o dedo,
   a língua desfia impropérios,
   blasfema, pragueja.
   Mas ainda assim o prego continua lá,
   precisando unir pedaços de madeira
   para dar segurança ao estrado.

   Quando a janela
   despreza o dia e prefere a clausura,
   o poeta se desespera e sufoca o verbo.
   Nostalgia, solidão, melancolia!
   Mas ainda assim o dia continua lá,
   precisando trazer luz para dentro do quarto
   para dar asas a criação.

   Quando o espírito
   despreza a música e prefere o silêncio,
   a poesia desfia amarguras
   e chora a aridez que existe por dentro.
   Mas ainda assim a música continua lá,
   precisando causar arrepios
   para que a vida possa despertar.

A BOCA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   
    NALDOVELHO

    A boca nervosa
    mastiga palavras,
    saliva, lágrimas,
    rumina obscenidades,
    cospe metáforas,
    blasfêmias, heresias,
    diz que é capaz
    de fazer poesia,
    mas se esquece
    que seus versos
    percorrem caminhos
    sombrios, ardidos,
    que passam queimando
    pela garganta,
    pois trazem o assombro
    de uma alma doída,
    pelos cortes, pelas perdas,
    pelo sangue pisado,
    feridas!
    A boca mente,
    tem a pretensão de ser poeta,
    engana todo o mundo,
    é capaz até
    de contradizer o coração
    e desprezar o que ele sente.
    Boca covarde,
    não foi capaz de dizer:
    “fica, pois eu te amo!”
    Apenas sorriu
    um sorriso amargo,
    no dia em que ela partiu!

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

MEU POEMA É PEDRA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   A minha água é pouca
   e contida pelas minhas reminiscências,
   represada pelos quereres de um tempo
   onde chorar eu não podia.
   O tempo passou,
   aquelas pessoas já se foram,
   mas as marcas ficaram.
   Desaguar é um luxo
   do qual eu não poderia usufruir,
   até porque não saberia como!

   Restaram-me as palavras,
   e eu choro através delas,
   só assim consigo amolecer um pouco
   meu coração emparedado
   nas dores do meu passado,
   só assim consigo diminuir a distância
   que existe entre o poeta e o mundo,
   entre o homem e as pessoas.
   Só assim consigo quebrar o silêncio
   e desencravar do meu umbigo
   angústias e emoções
   que eu não aprendi a demonstrar.

   Meu poema é pedra mergulhada
   num braço de rio
   que nunca chegará a ser mar.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

UM BRINDE AO PORVIR - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Mesmo que o dia amanheça
   e o sol envolto em cobertas não apareça,
   mesmo que as chuvas enxaguem
   as feridas que em meu corpo ainda ardem,
   mesmo que as lagrimas permaneçam encravadas
   a zombar de todo o meu patético esforço,
   mesmo que o trem continue atrasado
   e o último livro morra engavetado,
   eu digo que vou brindar a saudade,
   as rugas em meu rosto, a nostalgia que arde,
   a necessidade de caminhar aos trancos e barrancos,
   a possibilidade da morte ao escorregar do meio fio,
   as palavras que brotam como nascente de um rio,
   a música que ainda toca em meus ouvidos,
   a magia de poder me reconstruir a cada tombo,
   a capacidade de descobrir coisas em meio aos escombros,
   a habilidade de voar com asas de voar por dentro,
   a vontade que tenho de fumar um último cigarro,
   quem sabe também uma boa dose de conhaque,
   pois eu sei, ainda sou um sombrio e frágil esboço
   e mesmo que desafiadoramente eu me ponha a sorrir,
   meu espelho não mente e eu brindo ao porvir!

ROSEIRA TREPADEIRA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS

   NALDOVELHO

   Não importa que as portas
   estejam fechadas,
   haverá sempre uma possibilidade,
   um descuido, uma fresta,
   por pequena que seja, não importa!
   Alguém ao entregar uma carta,
   ou então um buquê de flores,
   quem sabe a necessidade
   de se arejar o ambiente,
   custa nada acreditar!
   Talvez ao abrir as janelas,
   ao olhar para as luzes da cidade,
   ao deixar que a friagem da noite
   acaricie seu corpo...
   Às vezes a madrugada
   prega uma peça,
   e traz vontade de andar pelas ruas,
   de dobrar esquinas,
   de colher gotículas de orvalho
   nas folhas daquela roseira trepadeira
   que insiste em galgar muros,
   que quer ganhar mundo...
   Quem sabe você se mira nela,
   abre o seu coração
   e deixa a luz do sol entrar.
   Não importa quanto tempo leve,
   fantasmas um dia vão ter
   que abandonar este lugar.