NALDOVELHO
Passarinho no parapeito da janela
olha para dentro do meu quarto:
entardece, cama desarrumada,
folhas de papel pelo chão espalhadas
e um poema ainda não escrito
circula impunemente pelo ar.
O quarto todo respira querências,
as palavras transpiram urgências,
mas o poeta permanece em silêncio,
se aproxima calmamente da janela
e pergunta ao passarinho
se ele quer conversar.
Passarinho diz que não!
pois dentro em pouco anoitece
e ele tem que voltar para o seu lar.
Já passam das seis, lá fora
anoitece,
aqui dentro o poema faz um prece,
e o jeito dele de provocar o
poeta
que há tempos não consegue mais
rezar.
Na vitrola, num antigo disco de
vinil,
Shirley Horn inspira o poeta,
sussurra em meus ouvidos,
palavras, significados, gemidos,
e o poema cada vez mais presente.
Agora, luz da lua invade o meu quarto,
mês de junho, final de outono,
palavras nostálgicas, encadeadas,
conversa travada entre o poema e
o homem.
Talvez este seja o meu jeito de orar.
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