NALDOVELHO
Eu sou minhas manhãs
friorentas de outono,
minha preguiça envolta
em cobertas,
um café forte passado
sem pressa
e ainda sinto a falta
de um cigarro,
a minha cama
desarrumada,
meu travesseiro
exalando saudades,
mas também sou a casa
que me acolhe,
a roupa que me veste, a
incerteza que me move,
as paredes do meu
quarto, a tapeçaria inacabada
e um terço pendurado na
cabeceira da cama.
Eu sou a passarinhada
no jardim em festa,
as palavras que eu uso,
algumas em desuso,
o silêncio que me
adorna nas madrugadas de junho,
a luz e a sombra, o
claro e o escuro,
a música que me inspira,
o poema que me alucina,
a magia num emaranhado de
possibilidades,
a crença numa outra realidade,
ainda que tardia,
o meu sorriso tímido, o meu olhar
travesso,
mas também sou o dia que caminha
sem alarde,
ruas, travessas, jardins,
recantos da minha cidade,
Eu sou a vontade de te dar um
abraço,
raízes, emaranhado de histórias,
meus laços,
a raiva, a dor de um desengano, a
virada de mesa,
o tempo que me resta e a
necessidade do carinho,
mas também sou minhas asas de
voar sozinho
e um punhado de pedras espalhadas
pelo caminho,
um pote de delicadezas em cima de
uma mesa,
a inquietude, a lágrima não
chorada, a amplitude
e a interminável jornada de um
homem por sua existência.
Eu sou o meu pé de amora que
resiste tudo,
mas também a acerola promessa de
outubro,
a necessidade de caminhar aos
tropeços
nos meus eternos e esperançosos recomeços
e sempre em círculos cada vez
mais fechados,
tanto que qualquer dia desses eu
corro o risco
de me transformar num ponto,
que quem sabe um dia eu possa ser
um porto,
seria tão bom te encontrar por
lá!
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