quarta-feira, 16 de setembro de 2015

QUANDO O GALO CANTOU TRÊS VEZES

    NALDOVELHO


    Quando o galo cantou três vezes
    o sol era só uma promessa
    e na linha do horizonte eu via
    uma tênue luz envolta em cobertas.
    Era a madrugada que surgia
    e quase ninguém percebia,
    só eu vivia o dia que nascia.

    Quando o galo cantou três vezes,
    eu fiz promessas pros santos,
    disse-lhes que não cometeria mais pecados,
    que não seguiria mais trilhas estranhas,
    que não fumaria mais cigarros,
    tão pouco beberia aguardente,
    nada mais de becos sombrios,
    nem tangos, nem boleros, nem fados.

    Quando o galo cantou três vezes,
    um blues sangrava em desespero
    num quarto de motel barato
    e uma mulher debruçada sobre o meu corpo
    derramava seu canto,
    enquanto uma bailarina dançava
    sobre o fio de uma navalha.

    Quando aquele dia amanheceu,
    uma sombra caminhava pela cidade,
    ruas e calçadas molhadas, mês de setembro,
    final de inverno, se bem me lembro,
    e a porta da bar precocemente aberta
    acolhia meus tropeços, meus recomeços.

    E ali mesmo, nos intestinos da cidade,
    tomei mais uma dose da mais pura aguardente,
    fumei mais um monte de cigarros,
    e me aprontei para viver um outro dia
    e cometer mais pecados.

    Quando aquele dia terminou eu percebi,
    que nem todo o poema que eu escrevo fala de amor.

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