NALDOVELHO
No espelho, a cor da minha pele. Lembro de
Vovó Teresa, preta velha quimbandeira, sabedora de ervas e quebrantos,
feiticeira que, numa reza, já faz tempo, desencravou-me das entranhas de Dona Helena
assustada, que chorava feito chuva pela dor que sentia com o filho que teimava
em não brotar. Naquele dia, por conta da velha parteira, promessa de entrega às
águas do mar. Rosas brancas que na sétima onda que viesse serviriam para
abençoar. Salve, Iemanjá! que entregou este filho poeta aos cuidados da mais
formosa princesa, que ensinou-lhe que o amor é o único caminho capaz de nos
libertar. Aie-ê Mamãe Oxum!
Olho, mais detidamente, e percebo cabelos
lisos, hoje tão embranquecidos, e lembro do Velho Lucas que em sua última
passagem entre nós, morreu de dor de chicote num tronco impregnado de sangue, a
mando de uma sinhazinha, que ofendida pela recusa do negro em acoitar-lhe os
desejos, acusou-o de ter tido a audácia de abusar de uma outra negra criada,
que ao mentir e confirmar-lhe o intento, disse-o capaz de feitiços que ninguém
seria capaz de imaginar. Salve, Xangô!
Vou até a janela e percebo a chuva, o cheiro
de terra molhada e erva espremida, essência de alfazema curtida; água de cheiro
a banhar o corpo da cabocla, mestiça de negro mateiro e índia formosa... O nome
dela: Iracema. Princesa que banhada nas
águas de um rio, ungiu de dor as correntes por um amor que pariu mil e tantos
guerreiros, caboclos que até hoje campeiam pela glória de Iansã, Oxossi e Ogum.
Fecho os olhos, adormeço e um velho
peregrino me abençoa. Seu corpo coberto de chagas, seu olhar a transmitir
pureza, filho de Nanã que Iemanjá criou. Atô-tô! Sua benção, Pai Omulú! Que os
cães que vigiam os caminhos, protejam as passagens que eu temo e que um dia vou
ter que trilhar.
Raízes negras, som de atabaques, cantigas,
pontos firmados em escuras senzalas, muitas demandas e ainda hoje nos olhos as
marcas doídas do banzo, coisa difícil de explicar.
Preto Velho, sua benção! Fazei do inimigo um
amigo e protegei-nos da tocaia dos que não se reconhecem como iguais. Diz da
alma marcada por correntes, das costas doídas pelos açoites desta vida, e de
outras cicatrizes que persistem, e que vez por outra latejam doentes. Diz que
apesar dos caminhos e de sermos filhos paridos de diferentes sementes, assim o
fomos sob a inspiração do Pai Oxalá.
Há quanto tempo não espraiava meus olhos pelos seu escritos! Obrigada.
ResponderExcluirComo sempre uma delícia... Pelo conhecimento, pela natureza, pela escrita...
Parabéns para a sua DANÇA DO TEMPO.