domingo, 20 de novembro de 2011

RAÍZES (PROSA POÉTICA)


NALDOVELHO

No espelho, a cor da minha pele. Lembro de Vovó Teresa, preta velha quimbandeira, sabedora de ervas e quebrantos, feiticeira que, numa reza, já faz tempo, desencravou-me das entranhas de Dona Helena assustada, que chorava feito chuva pela dor que sentia com o filho que teimava em não brotar. Naquele dia, por conta da velha parteira, promessa de entrega às águas do mar. Rosas brancas que na sétima onda que viesse serviriam para abençoar. Salve, Iemanjá! que entregou este filho poeta aos cuidados da mais formosa princesa, que ensinou-lhe que o amor é o único caminho capaz de nos libertar. Aie-ê Mamãe Oxum!     

Olho, mais detidamente, e percebo cabelos lisos, hoje tão embranquecidos, e lembro do Velho Lucas que em sua última passagem entre nós, morreu de dor de chicote num tronco impregnado de sangue, a mando de uma sinhazinha, que ofendida pela recusa do negro em acoitar-lhe os desejos, acusou-o de ter tido a audácia de abusar de uma outra negra criada, que ao mentir e confirmar-lhe o intento, disse-o capaz de feitiços que ninguém seria capaz de imaginar. Salve, Xangô!

Vou até a janela e percebo a chuva, o cheiro de terra molhada e erva espremida, essência de alfazema curtida; água de cheiro a banhar o corpo da cabocla, mestiça de negro mateiro e índia formosa... O nome dela: Iracema.  Princesa que banhada nas águas de um rio, ungiu de dor as correntes por um amor que pariu mil e tantos guerreiros, caboclos que até hoje campeiam pela glória de Iansã, Oxossi e Ogum.

Fecho os olhos, adormeço e um velho peregrino me abençoa. Seu corpo coberto de chagas, seu olhar a transmitir pureza, filho de Nanã que Iemanjá criou. Atô-tô! Sua benção, Pai Omulú! Que os cães que vigiam os caminhos, protejam as passagens que eu temo e que um dia vou ter que trilhar.

Raízes negras, som de atabaques, cantigas, pontos firmados em escuras senzalas, muitas demandas e ainda hoje nos olhos as marcas doídas do banzo, coisa difícil de explicar.

Preto Velho, sua benção! Fazei do inimigo um amigo e protegei-nos da tocaia dos que não se reconhecem como iguais. Diz da alma marcada por correntes, das costas doídas pelos açoites desta vida, e de outras cicatrizes que persistem, e que vez por outra latejam doentes. Diz que apesar dos caminhos e de sermos filhos paridos de diferentes sementes, assim o fomos sob a inspiração do Pai Oxalá.

Um comentário:

  1. Há quanto tempo não espraiava meus olhos pelos seu escritos! Obrigada.
    Como sempre uma delícia... Pelo conhecimento, pela natureza, pela escrita...
    Parabéns para a sua DANÇA DO TEMPO.

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