sábado, 21 de outubro de 2017

RÉQUIEM PARA UM POETA MORTO

RÉQUIEM PARA UM POETA MORTO
RONALDO BUONINCONTRO


Faz algum tempo eu vinha premeditando isto e há dias atrás finalmente consegui meu intento: foram três tiros certeiros no peito e a chama que me aquecia e consumia estava morta. Se bem que ela ainda estrebuchou alguns poemas, poucos, mas sem nenhum talento; era ela ou eu!

Mais que depressa envolvi seu corpo em bandagens de linho, especialmente embebidas em resinas, para que mumificado pudesse ser colocado naquela que eu chamo de caixinha de encantamentos, e lá, bem no fundinho do meu quintal, junto a uma roseira branca e espinhenta, o enterrei; lacrando seu túmulo com pedras redondinhas colhidas nas margens de um rio chamado solidão. Fiz-lhe, então, uma oração emocionada e até chorei... Àquela altura a pobre alma já devia estar acertando suas contas com o Criador.

Agora estou livre para ser o que realmente sou. Não mais versos de amor e dor, metáforas, rimas, imagens, sentimentos tolos, bobagens, lágrimas sanguinolentas derramadas, estiagens, noites inteiras de insônia, solidão, nostalgia, não mais a pretensão de parir palavras de ternura, para depois abraçá-las em minha clausura, não mais a magia de asas que voem por dentro!

O mundo não precisa de poesia, os artistas e intelectuais de hoje, também não! São todos donos absolutistas de suas verdades e vivem de semear incompreensão.

O mais interessante e que depois de alguns dias, do meio daquelas pedrinhas redondinhas começou a jorrar uma pequenina fonte cristalina... Não beba desta água, eu pensei! Vai que você fraqueja e o poeta enterrado lá no fundinho do seu quintal resolve renascer.

Agora o que resta é sair pelas ruas, com mãos que possam distribuir bondades e braços de acarinhar os puros de coração!
 




Nenhum comentário:

Postar um comentário