sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

NA VERMELHIDÃO DA PAIXÃO

    NALDOVELHO

    Às vezes o dia anoitece
    na vermelhidão da paixão
    e quando isto acontece,
    passarinhada toda emudece,
    nem coruja se atreve a piar.
    São dias de magia e loucura,
    onde a lua dança fogosa,
    o mar acaricia o rochedo
    e a sereia revela seus segredos
    pro pescador que se atreveu a sonhar.
    Às vezes o dia anoitece
    e escreve poemas 
    a luz do luar.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

NEM SEI BEM O PORQUÊ!

    NALDOVELHO

    Bebi todo o meu conhaque,
    fumei todos os meus cigarros,
    alguns nem eram cigarros,
    perambulei por toda a cidade,
    amei muitas mulheres,
    apesar de nem sempre
    tê-lo feito certo.
    Frequentei becos sombrios,
    templos, terreiros, sacristias,
    casas suspeitas e bares,
    conversei com mendigos,
    ambulantes, transeuntes,
    prostitutas e meliantes,
    gentes de todos os matizes,
    dei gargalhadas indecentes,
    enlouqueci diversas vezes,
    fiz discursos incoerentes,
    e nem sabia dizer o porquê!
    Dobrei muitas esquinas,
    injetei em meu corpo 
    uma boa quantidade de veneno,
    sufoquei em meu peito
    perdas e sentimentos,
    cultivei descrenças e heresias,
    e ao tropeçar num punhado
    de palavras vazias,
    morri a morte dos tolos.
    Renasci poeta...
    Até agora nem sei dizer bem o porquê!



terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

PALAVRAS DE ENCANTAMENTO

    NALDOVELHO

    A poesia me agride
    toda a vez que eu me calo. 
    Ela queima em minha pele,
    faz sangrar minha carne,
    soca a boca do meu estômago,
    tumultua os meus dias
    até que eu me pronuncie.

    A poesia me escreve
    bilhetes desaforados
    toda a vez que eu me afasto.
    Ela brota do papel
    em gotas ácidas
    que penetram pelos meus poros
    e envenenam meu corpo.
    A poesia me destrói pouco a pouco
    e afirma que só assim
    eu apaziguarei meu coração.

    A poesia me alicia,
    promete mundos e fundos,
    me escraviza, me agonia
    e em momento algum
    ela perguntou se eu queria,
    e por mais que eu sonhe
    em ser uma pessoa qualquer,
    ela vem e assopra em meu rosto
    palavras de encantamento e solidão.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O CURSO DE UM RIO

    NALDOVELHO

    E eu sentia aquele rio
    a correr dentro de mim,
    e ele corria apressado
    a lapidar arestas e pedras,
    a causar sofrimentos e esfregas
    em batalhas que eu nunca pude vencer.

    E ele provocava tantos atritos
    na pretensão de semear suas verdades,
    destruía em mim povoados inteiros,
    e em suas margens deixava detritos,
    sonhos transformados em escombros,
    coisas que eu não fui capaz de compreender.

    Eu ainda sinto este mesmo rio,
    só que em mim ele agora corre macio
    e na trilha dos meus desfiladeiros
    ele hoje me permite ser mais inteiro
    nos caminhos que constroem o meu destino,
    perder a minha melhor batalha,
    morrer uma última vez de mim mesmo
    para poder renascer em Você.    

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

DO BAÚ DAS IMPOSSIBLIDADES

    NALDOVELHO

    Pegue seus sonhos!
    Aqueles que restaram guardados
    no baú das impossibilidades.
    Veja, que apesar de amarelados,
    alguns até pela umidade mofados,
    eles ainda respiram
    e imploram por uma nova chance.
    Leve-os ao ar livre,
    bastante luz certamente irá ajudá-los.
    Depois de um tempo,
    limpe-os cuidadosamente,
    uma boa flanela tem sua serventia.
    Se achar necessário
    deixe-os atravessar a noite,
    luz da lua costuma revitalizá-los
    e na madrugada recolha-os
    para decidir o que fazer.
    Mas cuidado, ao limpá-los,
    nunca use água e se o tempo mudar,
    proteja-os imediatamente,
    sonhos molhados costumam apodrecer,
    e aí seria perda total,
    nada mais nos restaria fazer.
    Agora, examine-os com atenção,
    haverá sempre aquele
    que viável poderá ser realizado,
    ainda que a maioria não!
    E para estes, nada melhor que um poema,
    um réquiem que possa lembrá-los,
    mesmo que você não tenha feito por merecer.


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

UM POTE DE DELICADEZAS

    NALDOVELHO

    A lua a iluminar a janela,
    um amontoado de lembranças,
    um coração afrontado,
    o cigarro compartilhado,
    vinho encorpado, suave e branco,
    noite friorenta de julho
    e o tempo que tínhamos
    era cúmplice de um sonho,
    suave e ingênuo
    que pulsava dentro de nós,
    e a certeza de que a vida
    era um pote de delicadezas,
    coisas pequenas, miudezas,
    gestos, olhares, sorrisos,
    e entre isto e aquilo,
    um beijo roubado,
    um respirar ofegante,
    música suave e paixão.
    E a lua a iluminar a janela,
    um abraço, um laço,
    uma palavra macia
    envolta em carinhos,
    carinhos que encurtavam espaços,
    e assim tão próximos
    minhas pernas tremiam,
    coisas de um apaixonado,
    que nem poesia sabia,
    sabia nem das dores do amor,
    nem dos espinhos do depois.
    E a lua ainda ilumina a janela,
    ainda caminho pela suavidade,
    e o pote de delicadezas
    hoje transborda poesia,
    foi o que me restou!


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

PALAVRAS ARRUACEIRAS

    NALDOVELHO

    Das trincas das paredes,
    palavras arruaceiras brotam,
    tomam conta de toda a casa,
    tumultuam o meu poema.  
    Do parapeito da janela
    passarinhada assanhada
    aplaude e pede bis.
    Na mesinha de cabeceira,
    o teu retrato debochadamente sorri.