segunda-feira, 25 de setembro de 2017

LOUCURA

    NALDOVELHO

    Há músicas que respiram dentro de nós,
    verdades que desfazem todos os nós,
    pensamentos que dissolvem a neblina,
    sentimentos que desvendam o amanhã.
    Por isso eu preciso de mais uma dança
    e que seja uma melodiosa valsa,
    pois eu ainda tenho olhos de perceber,
    ouvidos de escutar o que Você tem a me dizer
    e um coração apaixonado
    por todas as coisas que eu consigo crer.

    Eu tenho mãos de construir ternuras
    e eu bem sei que apesar da minha loucura,
    toda vez que escrevo um poema
    eu me sinto mais próximo de Você.

sábado, 23 de setembro de 2017

MANHÃS FRIORENTAS DE INVERNO

    NALDOVELHO

    Não deixe a porta aberta,
    as ruas ainda estão desertas,
    o dia não amanheceu por inteiro,
    lençóis, preguiça, seu cheiro,
    faz muito frio lá fora
    e é quente o seu aconchego.

    Não deixe a janela fechada,
    tem sempre um ventinho travesso
    querendo passear pelo quarto
    e ele traz cheiro de mato,
    possibilidade de mais um sonho,
    pois ainda é cedo para recomeçar.

    Não deixe fugir o pecado
    das suas pernas enlaçadas
    as minhas tremulas pernas,
    de seu sorriso abusado,
    da sua voz rouca em meus ouvidos,
    sutilezas, sussurros, segredos.

    Não deixe fugir o encanto
    do café forte e melado, 
    dos cigarros compartilhados,
    das manhãs friorentas de inverno,
    da possibilidade de encarcerarmos o tempo
    e nunca mais sentirmos saudade.



quarta-feira, 20 de setembro de 2017

PRIMAVERA

    NALDOVELHO

    O bruxulear de uma saudade,
    olhos embaçados, tantas verdades,
    um terço enrolado na mão direita,
    uma sombra, o silêncio, uma suspeita,
    madrugada que se arrasta pela cidade,
    é o sol que surge sem fazer alarde,
    é o dia que boceja em minha janela,
    vinte e um de setembro, fim da espera.

    Primavera que se assanha em meu jardim,
    lírios, crisântemos, jasmins,
    um anjo ao meu lado na espreita,
    uma sombra, o silêncio, uma suspeita,
    solidão companheira de tanto tempo
    diz que é hora de partir num pé de vento
    e o terço nas mãos suaviza meu coração,
    acendo uma vela e me ponho em oração.


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

PARA ESPANTAR A SOLIDÃO

    NALDOVELHO


    Eu me lembro daquele menino
    que gostava de colecionar sonhos,
    tinha um olhar meio assim sem juízo,
    andava distraído pelas ruas
    e não raro tropeçava nas palavras que trazia,
    mas que por timidez quase não dizia.

    Até por isto outras manias ele desenvolveu:
    gostava de observar tudo o que ao seu redor existia,
    até aquilo que ele não via,
    mas que nem sei por conta de quê,
    ele milagrosamente percebia;
    não raro conversava com as paredes de sua casa
    e com todas as coisas que por lá existiam;
    dava nomes às portas e janelas
    e dizia que através delas ele podia perceber
    a noite e o dia, a tristeza e a alegria.
    O desamor não, pois essa palavra ele não sabia.

    Acho até que por causa disso
    ele resolveu aprender a fazer poesia,
    palavras, sonhos, conteúdos e significados,
    tudo bem misturado numa folha de papel em branco
    onde o risco dos tropeços ele não corria.

    Faz bem pouco tempo eu o encontrei,
    já não um menino, pois muito se passou.
    Até hoje ele cultiva suas manias:
    continua colecionando sonhos,
    dando vida e conversando com as coisas,
    e adora escrever poemas, parece até que são bons...
    Ele diz que é para espantar a solidão.


quinta-feira, 7 de setembro de 2017

NÃO

    NALDOVELHO


    Imaginem uma palavra que eu não posso dizer,
    asas que já não conseguem voar,
    olhos que não se prestam a perceber,
    ouvidos que não se interessam em escutar,
    braços que não se permitem o abraço,
    mãos que não se dedicam ao carinho.

    Imaginem uma música que eu não devo tocar,
    uma saudade que não eu não posso confessar,
    pernas que já não têm para onde ir,
    esquinas que eu não posso mais dobrar,
    ruas por onde não se pode caminhar,
    um coração que já não sabe como se apaixonar.

    Imaginem lágrimas que eu não posso chorar,
    um poema que eu não quero escrever,
    uma morte que eu não quero morrer.



sexta-feira, 1 de setembro de 2017

POEMA ESCRITO NA PEDRA

    NALDOVELHO


    Eu sei de uma carta escrita na pedra,
    ilusões alinhavadas em versos,
    palavras de puro desassossego
    de quem revelou seus segredos,
    vivenciou o anjo e o demônio,
    e depois de um tempo se perdeu.

    Eu sei de uma carta que pouca gente leu!
    palavras enxertadas de heresia,
    poema de solidão e clausura,
    versos forjados na demência de um poeta
    que ao rasgar mapas e planos,
    soçobrou naufrago do seu desengano.

    Eu sei de uma carta escrita, faz tempo,
    poema encharcado de ternura,
    vez em quando leio em voz alta
    na esperança de conseguir entender
    a alma demente de um sonhador,
    versos entrelaçados de amor e dor.