segunda-feira, 29 de abril de 2013

A CIDADE QUE EXISTE EM MIM - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


   NALDOVELHO

   Há em mim uma cidade
   com ruas e esquinas desertas,
   becos sombrios e friorentos,
   jardins tomados por eras e baobás.

   Em mim uma cidade se devora
   nas teias perversas do tempo,
   na demência de quem se flagela,
   na urgência de viver por um triz.

   Há em mim uma cidade partida
   pelo pai que negou amar seu filho,
   por um deus que deu um nó em nossas vidas,
   muito mais por isto do que por aquilo.

   Em mim uma cidade se questiona,
   blasfema contra quem vendeu sua fé,
   rejeita quem sorri, mas não se emociona,
   e não reconhece quem explora e diz ser feliz.

   Há em mim uma cidade entristecida,
   pelas escolhas recheadas de enganos,
   pelas portas maldosamente fechadas
   por pessoas que cultuam A PALAVRA errada.

   Em mim uma cidade agoniza
   ao ver vendilhões profanando templos,
   ao perceber o perigo de uma nova inquisição,
   e desta feita serão queimados os puros de coração!  

DUALIDADE - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


    NALDOVELHO

   Um olho se emociona e chora,
   o outro, árido, observa.
   Uma parte de mim anoitece,
   outra parte desperta e amanhece.
   Meu lado direito questiona,
   o esquerdo se aquieta e ora.
   A boca mastiga palavras e sonhos,
   o estômago macera sentimentos estranhos. 
   Meu coração, aflito, ainda ama,
   mas o cérebro afirma que é tarde,
   pois só me restaram uns poucos poemas! 
   
   Dois afluentes que se devoram
   num mesmo rio que implora:
   tudo o que ele quer é virar mar.

   DUALITÀ
   NALDOVELHO

   Un' occhio si emoziona e piange,
   l'altro, arido, osserva.
   Una parte di me tramonta,
   l'altra parte si risveglia, aurora.
   Il mio lato destro domanda,
   il sinistro si acquieta e prega.
   La bocca mastica parole e sogni,
   lo stomaco rumina strane sensazioni.
   Il mio cuore addolorato, ama ancora,
   ma il cervello dice che è tardi,
   perché mi sono rimaste poche poesie!

   Due affluenti si divorano
   nello stesso fiume che implora:
   tutto ciò che vuole è diventare mare.

   TRADUZIDO PARA O ITALIANO POR FERNANDA BELOTTI 

quinta-feira, 25 de abril de 2013

MEU POEMA - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


    NALDOVELHO

   Meu poema se alimenta de lua cheia,
   mas às vezes ela esvazia,
   vira minguante!
   E aí, haja ruas desertas,
   sombras que eu nem sabia que existiam,
   janelas antes entreabertas,
   com medo padecem trancadas,
   não permitem que brote a conversa
   entre a menina e o poeta,
   entre o violão e a paixão.

   Meu poema se alimenta de lua cheia,
   de emaranhados de fios feitiços,
   de veneno, meio-fio, arrepio,
   tessituras, bordados e teias,
   seios lambuzados de orvalho,
   coxas molhadas no cio,
   beijos, saliva, orgasmo...
   E haja isordil para os meus versos!
   Poemas que se alimentam de lua cheia
   costumam maltratar o coração.   


   Meu poema se alimenta de lua cheia,
   de canto nostálgico de sereia,
   de águas revoltas que movem moinhos,
   de rosas vermelhas infestadas de espinhos,
   de cacos de vidro espetados em meu umbigo,
   de estranhos atalhos trilhados faz tempo,
   de coisas que encontro ao viajar por dentro...
   E haja inquietude nos versos que eu proponho,
   macerar palavras fazedeiras de sonhos, 
   como quem macera o trigo para fazer o pão.

      

domingo, 14 de abril de 2013

PÉ DE VENTO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


    NALDOVELHO

   Há poemas que nascem pé de vento
   e deixam assim espalhados
   palavras, ideias, significados,
   versos embaralhados,
   coisas sem sentido, confusão!  
   É preciso talento
   para domesticar o vento,
   fazendo-o ventar para um só lado,
   de forma a ter dele
   sementes de compreensão. 

sábado, 13 de abril de 2013

RECHEIO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


    NALDOVELHO

   No meio do bolo o recheio,
   anseios, desejos, seus seios,
   lascívia, delírio, perigo,
   ilusão, desespero, miragem,
   veneno sorvido sem pressa,
   garrafa inteira de absinto...
   ainda quero fumar um cigarro!
   ternura, inquietude, loucura,
   suor, saliva, seus beijos,
   seu gosto impregnado em minha boca,
   o frescor da sua pele em minha pele,
   o seu cheiro entranhado em minha roupa,
   se prestar atenção, mais parece um bolero,
   pois toda a vez que eu abro a janela
   um vento perverso me invade
   e só faz aguçar a vontade
   de saborear do bolo o recheio,
   só que para fazê-lo,
   eu preciso antes
   me estraçalhar por inteiro!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

DE QUE É FEITO ESTE SENTIMENTO? - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


    NALDOVELHO

   De que é feito este sentimento
   que faz a razão se afogar
   em rios de constrangimentos,
   que te causa tremor nas pernas,
   lágrima nos olhos e embaraça caminhos?

   De que é feito este sentimento
   que te joga num canto amuado
   de tanto “destrambelhamento”
   e traz a impressão de que agora é tarde,
   nada mais há o que fazer?

   De que é feito este sentimento
   que faz com que o teu tempo se embaralhe
   na ansiedade dos corpos,
   na intimidade da saliva,
   na perplexidade do orgasmo?

   De que é feito este sentimento
   que diz que não há palavra que baste,
   quando a razão entrega os pontos
   e te faz náufrago da própria sorte,
   prisioneiro do teu bem querer? 

   De que é feito este sentimento?

segunda-feira, 1 de abril de 2013

OUTONO - POEMAS DE LUZ E SOMBRAS


    NALDOVELHO

   Vidraça estilhaçada, umbigo dolorido,
   cacos espalhados por toda a casa,
   alguns restam espetados pelo corpo.
   Lágrima cristalizada, olho esquerdo ardido,
   coração afrontado vez por outra reclama,
   diz que há mais cinzas do que chamas,
   se recusa a escrever sobre o outono,
   diz apenas que março cheira a abandono,
   prefere poemas friorentos de julho,
   ou então renascer a cada princípio de agosto,
   ainda que permaneçam rugas em meu rosto.
   Portanto, não me peçam versos patéticos,
   prefiro não escrever poemas de amor,
   e ainda que eu mantenha a ternura e o lirismo,
   é só uma forma de dissolver minha dor.