NALDOVELHO
Ele tinha um jeito tímido, um olhar tristonho,
gostava de explorar praças, dobrar esquinas,
caminhar por travessas, becos, ruínas,
colher pelas ruas o que a vida nos ensina.
Quando dormia aconchegado em seu canto,
solitariamente sonhava com praias desertas,
águas do mar acariciando rochedos,
conchinhas, pedrinhas, multiplicidade de enredos,
histórias que ele alinhava em segredo
e na maioria das vezes acordado.
Pouco falava, mas tinha um caderninho onde tudo anotava
e sorria encabulado se alguém lhe pedisse para ler.
Quando eu o conheci parecia ter a idade do tempo
e dizia que há muito já havia passado a sua hora,
que ali ainda estava somente a espera de alguém
a quem pudesse dar seu caderninho,
mas que era preciso que esse alguém concordasse
em ser também um sonhador e que o fizesse em segredo.
Perguntou se eu queria, disse-lhe então que não,
pois eu queria ser um poeta e não saberia esconder minha dor,
que tudo que eu colhesse logo transformaria em versos,
que espalhados pelos quatro cantos falariam do meu amor.
Ele riu e ainda assim me deu seu caderninho e partiu.
Virou poeira de estrela, mora hoje numa nebulosa,
a milhões de quilômetros daqui.
Desde então eu falo, mas minhas palavras não ecoam,
eu choro, mas minhas lágrimas não escoam,
eu canto, mas o faço para dentro,
prisioneiro que sou da solidão e do silêncio.
Sei hoje, que a minha hora se aproxima...
Quero ser enterrado com o maldito caderninho,
não devo condenar ninguém a viver desta maldição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário