NALDOVELHO
Coração
afrontado, vidraça embaçada,
um gosto adocicado
na boca,
misto de
vinho licoroso e saliva suave peçonha.
No ar uma
canção!
Pouca gente consegue
avaliar o estrago
que uma
música como esta nos faz,
pouca gente sabe
do estrago
de que uma
mulher como esta é capaz.
A cidade me
parece deserta,
terça-feira, noite
chuvosa,
primavera, mês de outubro.
Faz tempo ela
perambula pelo meu quarto,
chegou como
quem nada queria,
mas ainda
assim tomou conta de minha vida.
Diz que me
ama, que conhece minhas dores,
que é boa em
cicatrizar feridas,
mas que para
isto é preciso
que eu me
permita a hemorragia.
Às vezes eu acho
que ela se alimenta do meu sangue.
Tem dias que
eu procuro por ela e não a encontro,
apesar do seu
cheiro, e eu o sinto o tempo inteiro,
de algumas palavras
deixadas pelo ar
e por esta música
doída que não para de tocar.
E quando isto
acontece eu fico angustiado,
não dou conta
das minhas pernas,
não consigo
encontrar meus braços, seus abraços...
E os meus
olhos cada vez mais embaçados,
e ainda assim
eu não consigo chorar.
Mas logo ela
volta e olha dentro dos meus olhos,
ri dos meus
medos, me pede rosas sem espinhos,
quer mais um
poema, e sussurra em meus ouvidos
palavras que
eu ainda não sei pronunciar.
E aquela
canção continua a me atormentar,
sempre em
compasso lentos, pois lento é o tempo
de quem não
consegue deste sonho estranho acordar.
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